O mundo se vê dominado pela pandemia de COVID-19, e o Grande Lockdown que se seguiu empurrou muitos países para profundas recessões — piores do que a provocada pela crise financeira mundial de 2008–09. Governos e bancos centrais de todo o mundo responderam com fortes medidas fiscais e monetárias discricionárias (pontuais e específicas) para combater as consequências econômicas da propagação do coronavírus. Os estabilizadores automáticos existentes (como os impostos sobre a renda e os benefícios para famílias e desempregados), que diferem de país para país, de modo geral têm operado livremente, proporcionando uma proteção a mais.
Mas com os juros nos mínimos históricos e a dívida pública nos máximos históricos em muitos países, qual é a melhor forma de as economias avançadas se prepararem e responderem a futuras retrações da economia? A edição recente do nosso relatório World Economic Outlook , concluída antes da pandemia, traz uma análise de como as economias avançadas poderiam aumentar sua resiliência a choques negativos em um ambiente como esse. Constata-se que o estímulo fiscal baseado em regras — ou seja, o estímulo acionado automaticamente pela deterioração dos indicadores macroeconômicos — pode ser altamente eficaz no combate a uma retração nessas condições.
Um papel mais importante para a política fiscal
Com taxas de juros iguais ou próximas a zero nas economias avançadas, a margem para novos cortes de juros convencionais é limitada. Contudo, os bancos centrais ainda podem intensificar o uso de ferramentas de política monetária não convencionais, como a compra de ativos em larga escala, para oferecer mais apoio, como fizeram recentemente em resposta à pandemia. No entanto, recorrer apenas à política monetária para reagir a choques talvez não seja suficiente e pode suscitar dúvidas quanto aos efeitos colaterais sobre a estabilidade financeira futura e as ameaças à independência do banco central.
Além de se manter atenta às preocupações com a sustentabilidade da dívida a longo prazo, a política fiscal precisa desempenhar um papel mais amplo. Desenvolver respostas fiscais mais automáticas nas economias avançadas poderia ajudar a aumentar a resistência a choques adversos no futuro. Se as regras para o estímulo fiscal forem bem comunicadas e estabelecidas antes de os choques ocorrerem, podem ajudar a moldar as expectativas e reduzir a incerteza, amortecendo a queda da atividade quando um choque negativo se concretizar.
A justificativa para estímulos fiscais mais automáticos
Nosso estudo mostra que medidas de estímulo fiscal baseadas em regras – como transferências de renda temporárias para famílias de baixa renda com restrições de liquidez, acionadas quando a taxa de desemprego ultrapassa um certo limite –poderiam ser altamente eficazes para combater a retração causada por uma queda típica da demanda. Embora essas medidas de estímulo sejam automáticas, diferem bastante dos estabilizadores automáticos tradicionais, que respondem às circunstâncias de cada pessoa (por exemplo, ter sido demitido no caso do seguro‑desemprego ou ter uma renda mais baixa no caso de impostos de renda progressivos). O estímulo fiscal baseado em regras é particularmente eficaz quando os juros estão em seu limite inferior efetivo (quando as taxas não podem mais ser reduzidas) e as defasagens da política fiscal discricionária são longas. Além disso, o estímulo fiscal após choques de demanda tende a ser especialmente eficaz quando a economia tem recursos não utilizados e a política monetária é acomodatícia.
Quando ocorre uma queda súbita da demanda, a queda do produto e a elevação do endividamento serão menores se houver um estímulo fiscal baseado em regras para apoiar a economia. De fato, constatamos que, quando são adotadas medidas de estímulo fiscal baseadas em regras, as retrações econômicas podem ser combatidas com quase a mesma eficácia que se obtém quando a política monetária é capaz de operar com força total.
O choque econômico atual causado pela pandemia é incomum, pois afetou tanto a oferta como a demanda. Embora a vontade política para agir tenha rapidamente se articulado em resposta ao choque atual, a velocidade e profundidade sem precedentes do choque complicaram a elaboração e execução em tempo hábil de um apoio fiscal discricionário. Quando trabalhadores e empresas não conseguem operar enquanto a epidemia está em curso, a eficácia do estímulo fiscal para impulsionar o produto (o multiplicador) é baixa. Não obstante, mesmo nessas circunstâncias, um estímulo fiscal baseado em regras adotado antecipadamente poderia ter sido útil, sobretudo na forma de transferências direcionadas. Essas medidas poderiam proporcionar um seguro a mais em termos de renda e fortalecer a rede de proteção social para os mais vulneráveis.
Nossas constatações sugerem que as autoridades devem considerar o reforço da resposta automática da política fiscal a choques negativos, ajudando a aumentar a resiliência da economia. Em paralelo, mesmo que novos cortes de juros não sejam possíveis, a política monetária pode apoiar o estímulo fiscal em uma recessão ao manter uma postura acomodatícia, entre outras coisas, flexibilizando as condições do mercado financeiro.
Serão necessários tempo e um acordo político para conceber e adotar novas ferramentas fiscais, como as medidas de estímulo fiscal baseadas em regras, e para melhorar os estabilizadores automáticos existentes . Contudo, na presença de políticas automáticas de estímulo fiscal, diminuem os riscos de que obstáculos políticos atrasem as respostas quando as condições econômicas se deteriorarem. Além disso, quando a política monetária enfrenta restrições, contar com medidas de estímulo fiscal baseadas em regras pode reduzir acentuadamente a probabilidade de recessões alimentadas pela demanda.
Isso não significa que a política fiscal discricionária se tornará redundante. Na verdade, medidas fiscais discricionárias, devidamente adaptadas às circunstâncias específicas e à natureza do choque negativo – como o choque da pandemia – são essenciais para oferecer um forte apoio anticíclico. Porém, precisam ser adotadas e implementadas de forma oportuna.
Uma resposta mais ágil a futuras recessões
Dados os atrasos históricos na implementação do estímulo fiscal discricionário e os efeitos positivos de definir as expectativas por meio da adoção antecipada de regras de ação, há fortes justificativas para uma resposta fiscal mais automática às retrações da economia. Nossa análise mostra que a adoção de medidas de estímulo fiscal baseadas em regras pode ser altamente eficaz e mais oportuna, sobretudo quando as taxas de juros do banco central estão em seu limite inferior efetivo ou próximas a ele e a política monetária enfrenta restrições.
Com base no Capítulo 2 do relatório World Economic Outlook, “Countering Future Recessions in Advanced Economies: Cyclical Policies in an Era of Low Rates and High Debt”, de Michal Andrle, Philip Barrett, John Bluedorn (codiretor da equipe), Francesca Caselli e Wenjie Chen (codiretora da equipe).
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John Bluedorné subchefe da divisão encarregada do relatório World Economic Outlook do Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, foi economista sênior na Unidade de Reformas Estruturais do Departamento de Estudos, membro da equipe do FMI para a área do euro no Departamento Europeu e, como economista, contribuiu para diversos capítulos do World Economic Outlook. Antes de ingressar no FMI, lecionou na Universidade de Southampton, no Reino Unido, após receber uma bolsa de pós-doutorado na Universidade de Oxford. Já publicou sobre uma série de temas em finanças internacionais, macroeconomia e desenvolvimento. Doutorou-se pela Universidade da Califórnia, Berkeley.
Wenjie Chen é economista no Departamento da África do FMI, onde contribui para a publicação Perspectivas Econômicas Regionais. Antes de ingressar no FMI, foi professora assistente na Universidade George Washington, onde lecionou Finanças Internacionais e Macroeconomia. Seus estudos se concentram em investimento direto estrangeiro, relações China-África, cadeias de valor globais e métodos econométricos aplicados. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Michigan.