Gustavo Adler, Nigel Chalk e Anna Ivanova
Para restabelecer a estabilidade macroeconômica e impulsionar o crescimento, serão necessárias políticas elaboradas cuidadosamente para ajudar a atenuar o descontentamento
As economias latino-americanas resistiram bem no ano passado apesar dos choques da invasão da Ucrânia pela Rússia e do aumento dos juros no mundo. Em 2022, a economia da região expandiu quase 4%, o emprego teve uma forte retomada e o setor de serviços recuperou dos danos causados pela pandemia.
As pressões inflacionárias estão cedendo em muitos países devido aos esforços rápidos e determinados dos bancos centrais e ao recuo dos preços mundiais da energia e dos alimentos. Contudo, o núcleo de inflação (que exclui a energia e os alimentos) permanece alto, em torno de 8% no Brasil, no México e no Chile (e um pouco mais elevado na Colômbia, porém mais baixo no Peru).
Apesar dessas notícias animadoras sobre o crescimento e a inflação, 2023 deverá ser um ano desafiador para a região. O crescimento neste ano deve diminuir para apenas 2%, em meio a juros mais altos e à queda dos preços das commodities. A geração de empregos e os gastos dos consumidores em bens e serviços estão desacelerando, e a confiança dos consumidores e das empresas está enfraquecendo. O crescimento também será contido pela desaceleração nos parceiros comerciais, sobretudo nos Estados Unidos e na área do euro. Além disso, os riscos de deterioração da conjuntura — como condições financeiras mais restritivas do que as previstas e a guerra da Rússia na Ucrânia — ainda são dominantes.
Ademais, trazer a inflação de volta às metas dos bancos centrais provavelmente será um processo demorado e está sujeito a riscos, como aumentos nas pressões salariais.
Perspectivas socioeconômicas difíceis
A desaceleração do crescimento, a inflação alta e a incerteza mundial significam que muitas pessoas na América Latina verão seu padrão de vida cair neste ano e provavelmente enfrentarão uma ansiedade maior sobre o futuro.
O crescente descontentamento social e a diminuição da confiança nas instituições públicas tem sido uma tendência importante na região há algum tempo. As tensões sociais certamente se agravaram durante a pandemia. Os mais pobres, sobretudo os empregados em serviços presenciais, tiveram de suportar o peso das consequências econômicas. Embora o apoio do governo tenha ajudado, muitos não conseguiram se proteger totalmente do impacto negativo, como indicado pelo perceptível crescimento da pobreza. O aumento da insegurança alimentar é outro sintoma importante dos duradouros efeitos socioeconômicos da pandemia.
A classe média da região também está vivendo uma situação econômica mais instável. Muitas pequenas empresas enfrentaram dificuldades durante os períodos de confinamento, e os salários dos trabalhadores de renda média foram corroídos pelo posterior aumento dos preços.
Reverter tanto essas tendências como o impacto da pandemia exige restabelecer a estabilidade macroeconômica e impulsionar o crescimento de forma duradoura por meio de reformas estruturais. Contudo, encontrar um denominador comum para levar à frente reformas econômicas sensatas num ambiente de importantes tensões sociais será uma luta difícil. Ao mesmo tempo, a possibilidade contínua de agitações e paralisia política tem o potencial de solapar a confiança e pesar sobre a atividade econômica.
Abrir um caminho rumo ao futuro
Apesar das claras dificuldades, as políticas devem se concentrar em assegurar a estabilidade econômica, estimular o crescimento e a geração de empregos, apoiar o empreendedorismo e suprir as urgentes necessidades sociais de muitas pessoas na região. Isso ajudará a mitigar o descontentamento social e a restabelecer a confiança nas instituições públicas. Contudo, essas medidas exigem determinação, persistência e a formação de um consenso social em torno de uma série de questões:
- Os bancos centrais não podem hesitar na sua determinação de reduzir a inflação, o que exigirá perseverança. Embora o fim do ciclo de alta dos juros esteja próximo em muitas economias da região, provavelmente será necessário manter os juros elevados por algum tempo para assegurar que a inflação volte à meta.
- A política fiscal precisará dar ênfase aos gastos sociais para apoiar os pobres e, ao mesmo tempo, reduzir a dívida pública. Para alcançar esses objetivos, será preciso mobilizar receitas de forma equitativa, progressiva e favorável ao crescimento. A confiança no governo continuará a ser solapada enquanto os ricos não pagarem sua parcela justa dos impostos. Da mesma forma, é importante que os governos priorizem cuidadosamente os gastos e deem atenção a maneiras de aumentar a credibilidade das instituições públicas — será crucial ressaltar a boa governança e a transparência.
- Com base nos avanços recentes, é preciso continuar a melhorar as redes de proteção na região para assegurar uma assistência social confiável e generosa o suficiente para os que mais precisam.
- Essas medidas não devem excluir mudanças mais profundas na política econômica, necessárias para aumentar a produtividade, incentivar o investimento e facilitar a geração de empregos. Com o tempo, essas reformas serão o principal meio para elevar o padrão de vida da população da região.
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Gustavo Adler é Chefe de Divisão no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI. Ingressou no FMI em 2004 e, desde então, atuou em diversas áreas, como supervisão e programas em diversas equipes de países (Chile, Indonésia, Romênia, Uruguai, Turquia), elaboração de linhas de crédito, revisão de programas do FMI e trabalho analítico para a publicação Perspectivas Econômicas Regionais: As Américas. Nos últimos anos, codirigiu a produção do relatório sobre o setor externo (External Sector Report) que trata dos desequilíbrios mundiais, tendo conduzido estudos e análises de políticas sobre intervenção cambial, taxas de câmbio e choques nas relações de troca. Foi também chefe da missão para o Uruguai. Desde junho de 2022, lidera a Divisão de Estudos Regionais do Departamento do Hemisfério Ocidental.
Nigel Chalk é Diretor Adjunto do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI e chefe de missão para os Estados Unidos. Anteriormente, chefiou o setor de estudos da Ásia (exceto o Japão) do Barclays, em Singapura. Antes disso, foi chefe de missão do FMI para a China. Desde que ingressou no FMI, trabalhou com vários países de mercados emergentes, como Rússia, Coreia, Brasil e Argentina. É doutor em Economia pela UCLA e mestre em Ciências Econômicas pela London School of Economics.
Anna Ivanova é Subchefe da Divisão de Estudos Regionais do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI. Anteriormente, foi chefe de missão para o Equador. Foi também economista sênior do Grupo de Análise das Perspectivas de Desenvolvimento do Banco Mundial, liderando missões para a Guatemala e trabalhando com outros países, como Costa Rica, Alemanha, Países Baixos, Iêmen e Egito. Seus estudos abordam temas como políticas fiscal e do setor financeiro, inclusão e desenvolvimento financeiros, o papel das instituições financeiras internacionais e crescimento. Antes de sua carreira como economista, trabalhou como física no Instituto para Problemas Nucleares da Bielorrússia. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Wisconsin‑Madison, e é mestre em Desenvolvimento Econômico, pela Universidade Vanderbilt, e em Física Nuclear, pela Universidade Estatal da Bielorrússia.