Vitor Gaspar, W. Raphael Lam, Paolo Mauro e Roberto Piazza
Os governos estão diante de dilemas delicados em meio a aumentos acentuados dos preços dos alimentos e da energia. As autoridades econômicas têm a obrigação de proteger as famílias de baixa renda de grandes perdas de renda reais e assegurar seu acesso a alimentos e energia. Mas também precisam de reduzir as vulnerabilidades dos níveis elevados de dívida pública e, em resposta à alta da inflação, manter uma postura fiscal austera para que a política fiscal não entre em conflito com a política monetária.
Os preços dos alimentos aumentaram 50% desde 2019 e as perturbações na oferta persistiram nos mercados de alimentos e de energia. A alta dos preços ameaça o padrão de vida das pessoas por toda parte, levando os governos a adotar uma série de medidas fiscais, inclusive subsídios a preços, cortes de impostos e transferências de renda. Estimamos o custo fiscal médio dessas medidas em 0,6% do produto interno bruto nacional, além dos subsídios pré-existentes, entre os países para os quais havia estimativas disponíveis.
A maioria dos governos enfrenta uma intensificação da pressão sobre as finanças públicas, que já vinham sofrendo tensões em decorrência da pandemia. A escalada da inflação, o enfraquecimento do câmbio e o aumento das taxas de juros acarretaram a disparada dos spreads de crédito em muitos países, além do aumento das despesas com juros daqui por diante. Projeta-se que a dívida pública mundial permanecerá elevada, em 91% do PIB em 2022 – após recuar de uma alta histórica em 2020 –, e permanece cerca de 7,5% acima dos níveis pré-pandêmicos. Os países de baixa renda são particularmente vulneráveis: quase 60% das economias mais pobres estão às voltas com endividamento ou em alto risco nesse sentido.
Em nosso último relatório Monitor Fiscal, discutimos como as autoridades econômicas podem abordar esses equilíbrios, ajudando as pessoas a se recuperar da atual crise e a lidar melhor com os desafios futuros.
Resposta na área de alimentos e energia
Diante dos altos níveis de endividamento e dos custos crescentes dos empréstimos, as autoridades econômicas devem priorizar a assistência direcionada às pessoas mais vulneráveis por meio de redes de segurança social. Em alguns países, isso pode implicar descontos nas contas de serviços públicos (para uso básico) para as famílias vulneráveis de baixa e média renda. Permitir ajustes nos preços da energia é crucial para preservar incentivos mais gerais a fim de conter o uso da energia e ampliar a oferta. Diante de choques de oferta prolongados e inflação generalizada, os governos não devem tentar limitar os aumentos de preços por meio de controles de preços, subsídios ou cortes de impostos. Tal medida seria onerosa para os orçamentos e acabaria se revelando ineficaz. Com recursos limitados, muitos países de baixa renda precisarão de maiores esforços globais em termos de assistência humanitária e financiamento de emergência.
Em tempos de inflação alta, as políticas para lidar com a alta dos preços de alimentos e energia não devem aumentar a demanda agregada. As pressões da demanda obrigam os bancos centrais a elevar ainda mais as taxas de juros, o que torna mais dispendioso o serviço da dívida pública. Uma postura fiscal mais restritiva sinaliza de forma evidente que as autoridades econômicas estão alinhadas em seu combate à inflação.
A promoção da resiliência econômica
Nosso relatório destaca que os governos precisam desenvolver resiliência paulatinamente para fazer frente a uma série de choques adversos. A pandemia e a crise financeira global, além dos desastres naturais específicos de cada país e outros fenômenos adversos, mostraram que os governos precisam se preparar para tempos de adversidade. A composição gradual de margens de segurança fiscal em última análise permitiria às autoridades econômicas agilidade e flexibilidade na resposta às crises.
Diversos mecanismos fiscais que se mostraram úteis durante a pandemia podem ser incorporados a um kit de ferramentas mais permanente, dependendo da capacidade dos países e do espaço fiscal disponível. Os esquemas de retenção de empregos, por exemplo, se revelaram eficazes durante a pandemia, estabilizando mais de 40% da perda de renda pessoal na União Europeia. O apoio financeiro às empresas em caráter excepcional pode evitar falências generalizadas. Porém, esse apoio deve ser reservado para crises graves, pois expõe os governos a riscos fiscais consideráveis.
De forma mais geral, as redes de segurança social ajudam as pessoas a se recuperar do desemprego, de doenças e da pobreza, o que as torna mais resilientes a uma série de desafios. Esses sistemas podem ser facilmente escaláveis e mais bem direcionados com a ajuda da tecnologia digital.
Testemunhamos como grandes crises globais ao longo da última década e meia geraram respostas fiscais inovadoras e enérgicas, em um cenário de dívida crescente e restrição da política monetária. Os países devem repensar o papel da política fiscal em uma era propensa a choques – como essa política pode proteger melhor contra perdas durante as crises e aumentar a resiliência – e aprender com as experiências de todo o mundo.
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Vítor Gaspar, cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do FMI. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial. Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Econômica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e atuou como Diretor-Geral de Estudos Econômicos do Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, onde também recebeu o título de agregado, e Licenciado pela Universidade Católica Portuguesa.
W. Raphael Lam é Economista Sênior no Departamento de Finanças Públicas do FMI. Seus estudos atuais enfocam temas fiscais relacionados com a desigualdade, as relações intergovernamentais e as normas fiscais. Anteriormente, trabalhou na equipe da China e do Japão no Departamento da Ásia e do Pacífico e participou do programa de empréstimos à Islândia durante a crise financeira mundial. Em seus estudos anteriores, abordou também temas dos setores fiscal e financeiro. É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia.
Paolo Mauro é Subdiretor do Departamento de Finanças Públicas do FMI. Anteriormente, ocupou vários cargos de chefia nos Departamentos de África, de Finanças Públicas e de Estudos do FMI. Foi pesquisador sênior no Peterson Institute for International Economics e professor visitante na Carey Business School da Universidade Johns Hopkins de 2014 a 2016. Seus artigos já foram publicados em periódicos como o Quarterly Journal of Economics, Journal of Monetary Economics e Journal of Public Economics, e são amplamente citados no meio acadêmico e em importantes veículos da imprensa. É co-autor de três livros, inclusive World on the Move: Consumption Patterns in a More Equal Global Economy; Emerging Markets and Financial Globalization; and Chipping Away at Public Debt.
Roberto Piazza é economista do Departamento de Finanças Públicas do FMI, onde trabalha na Divisão de Política e Supervisão das Finanças Públicas. Antes disso, trabalhou no Departamento de Estudos do FMI e no Banco da Itália. É doutor em Economia pela Universidade de Minnesota. Seus estudos têm como temas a teoria do crescimento, a política monetária e a macroeconomia internacional.