As economias africanas encontram-se num momento decisivo. A pandemia de Covid‑19 paralisou a atividade económica. Os ganhos económicos duramente conquistados por África nas duas últimas décadas, cruciais para a melhoria do nível de vida, poderiam ser revertidos.
Os elevados níveis da dívida pública e as perspetivas incertas quanto à ajuda internacional limitam as possibilidades de crescimento por meio de grandes programas de investimento público. O setor privado terá de cumprir um papel mais preponderante no desenvolvimento económico para que os países possam ter uma recuperação robusta e evitar a estagnação económica. Os Chefes de Estado africanos fizeram desta uma das suas mensagens contundentes durante a recente cimeira sobre o “Financiamento das Economias Africanas”, organizada em Paris, em maio.
As infraestruturas – tanto físicas (estradas, eletricidade) como sociais (saúde, educação) – são uma área em que o setor privado poderia estar mais envolvido. As necessidades de desenvolvimento infraestrutural em África são enormes: da ordem de 20% do PIB, em média, até ao fim da década. De onde virão os recursos financeiros para suprir essas necessidades? Mantidas as demais condições, a principal fonte de financiamento seria o reforço da arrecadação tributária, algo em que a maioria dos países tem trabalhado. Contudo, dada a escala das necessidades, será preciso mobilizar novas fontes de financiamento junto à comunidade internacional e ao setor privado.
A África é um continente que oferece imensas oportunidades para os investidores privados. Conta com uma população jovem e em crescimento, além de recursos naturais abundantes. As cidades estão em franca expansão. Muitos países lançaram iniciativas de industrialização e digitalização de longo prazo. Mas são necessários investimentos significativos e inovação para destravar todo o potencial da região. Um estudo recente publicado pelo FMI mostra que o setor privado poderia, até ao final da década, gerar um financiamento anual adicional equivalente a 3% do PIB da África Subsariana para infraestruturas físicas e sociais. Isto representa cerca de 50 mil milhões de dólares por ano (com base no PIB de 2020) e quase um quarto do rácio médio de investimento privado na região (13% do PIB, atualmente).
O que está a restringir o financiamento privado?
Neste momento, o setor privado não está muito envolvido no financiamento e desenvolvimento de infraestruturas em África, em comparação com outras regiões. Entidades públicas, como governos nacionais e empresas estatais, respondem por 95% dos projetos de infraestrutura. O volume de projetos de infraestrutura com participação do setor privado diminuiu consideravelmente na última década, na sequência da queda dos preços dos produtos primários. A contribuição limitada dos investidores privados também é evidente quando comparada ao cenário internacional: África atrai apenas 2% dos fluxos mundiais de investimento direto estrangeiro. E o investimento que chega ao continente africano tem como principal destino os setores extrativo e de recursos naturais, e não projetos de saúde, estradas ou água.
Melhorias no ambiente empresarial são cruciais para atrair investidores privados e transformar a maneira como África financia o seu desenvolvimento. Nosso estudo mostra que três riscos fundamentais dominam a mente dos investidores internacionais:
- Risco dos projetos. Apesar de África apresentar uma riqueza de oportunidades para negócios, o inventário de projetos verdadeiramente “prontos para o investimento” continua a ser limitado. Estes são projetos suficientemente desenvolvidos para atrair investidores que não querem investir em conceitos em fase inicial nem em mercados com os quais estão pouco familiarizados. O apoio financeiro e técnico de doadores e bancos de desenvolvimento pode ajudar os países a financiar estudos de viabilidade, o desenho de projetos e outras atividades preparatórias que alargam o conjunto de projetos financeiramente viáveis.
- Risco cambial. Imagine que um projeto gera um rendimento de 10% ao ano, mas, simultaneamente, o câmbio desvaloriza 5%: isto eliminaria metade dos lucros para os investidores estrangeiros. Não surpreende que o risco cambial seja uma das principais preocupações. Uma política macroeconómica prudente combinada com uma gestão sólida das reservas cambiais pode reduzir bastante a volatilidade da moeda.
- Risco de saída. Nenhum investidor entrará num país se não tiver garantias de que também conseguirá sair, vendendo as suas participações num projeto e recuperando os seus ganhos. Mercados financeiros estreitos e subdesenvolvidos podem impedir a saída dos investidores através da emissão de ações. Os controlos de capital podem retardar ou aumentar o custo de saída. E quando o enquadramento legal é frágil, os investidores podem enfrentar longas batalhas jurídicas para ver reconhecidos os seus direitos.
Incentivar o investimento privado
A melhoria do clima de negócios é importante, mas não suficiente. Os setores ligados ao desenvolvimento têm certas características estruturais que tornam a participação do setor privado intrinsecamente complexa, mesmo nos ambientes mais favoráveis. Por exemplo, os projetos de infraestrutura costumam ter custos iniciais elevados, mas os seus retornos acumulam-se durante longos períodos de tempo, o que pode ser difícil para os investidores privados avaliarem. O setor privado também prospera quando há redes e cadeias de valor, que talvez ainda não existam em mercados novos.
Quando estes problemas são agudos, os governos podem ver-se obrigados a fornecer mais incentivos para tornar os projetos de infraestrutura atraentes para os investidores privados. Estes incentivos, que compreendem vários tipos de subvenções e garantias, podem ter um custo elevado e acarretar riscos orçamentais. Mas a verdade é que, sem tais incentivos, muitos projetos em setores de desenvolvimento não ocorrerão. Na Ásia Oriental, 90% dos projetos de infraestrutura com participação privada recebem apoio do governo.
Os governos podem maximizar a eficiência e o impacto dos incentivos públicos, ao mesmo tempo em que minimizam os riscos, com base em certos atributos. O apoio deve ser direcionado, temporário e concedido com base em disfunções comprovadas do mercado. Deve também ser transparente, deixar riscos suficientes para as entidades privadas e demonstrar adicionalidade – ou seja, os incentivos devem possibilitar a execução de projetos meritórios que de outra forma não sairiam do papel. Por último, a sua dimensão deve ser bem calibrada para evitar a remuneração excessiva do setor privado.
Em vista da limitada disponibilidade de recursos públicos, os países africanos e os parceiros de desenvolvimento poderiam considerar o redirecionamento de alguns recursos do investimento público para o financiamento de incentivos públicos a projetos privados. Quando este redirecionamento é gradual e apoiado por instituições sólidas, com transparência e boa governação, é possível aumentar a quantidade, o alcance e a qualidade dos serviços para as populações africanas. Ideias mais inovadoras poderão ajudar a realizar o potencial transformador das infraestruturas no continente.
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Abebe Aemro Selassie é Diretor do Departamento da África do FMI. Anteriormente, foi subdiretor deste departamento. No FMI, liderou as equipes de trabalho com Portugal e a África do Sul, bem como a elaboração do relatório Perspetivas económicas regionais: África Subsariana. Trabalhou também com as equipes responsáveis pela Tailândia, Turquia e Polônia, bem como numa série de questões de políticas públicas. Entre 2006 e 2009, foi representante residente do FMI em Uganda. Antes de ingressar no FMI, trabalhou para o Governo da Etiópia.
Luc Eyraud é Assessor e Chefe de Missão no Departamento da África do FMI, onde lidera as consultas anuais do Artigo IV com as autoridades regionais da UEMOA. Foi chefe de missão para o Benim e, anteriormente, líder da equipe do Monitor Fiscal no Departamento de Finanças Públicas. Boa parte dos seus estudos concentra-se na política fiscal, em temas como as instituições fiscais, os multiplicadores fiscais e a tributação da riqueza. Mais recentemente, supervisionou vários projetos sobre o financiamento de países em desenvolvimento. Antes de ingressar no FMI, foi servidor público no Tesouro francês.
Catherine Pattillo é Subdiretora do Departamento da África. Supervisiona o trabalho do departamento em uma série de países com programas e países sujeitos a supervisão, além de liderar as atividades ligadas ao desenvolvimento das capacidades, alterações climáticas, financiamento do setor privado e estudos e análises. Desde que ingressou no FMI, após ocupar um cargo na Universidade de Oxford, serviu no Departamento de Estudos, no Departamento de Finanças Públicas, onde liderou a divisão responsável pelo Monitor Fiscal e as equipes responsáveis por países da África e do Caribe, e no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação, onde trabalhou com assuntos referentes a países de baixa renda e temas emergentes como gênero, desigualdade e alterações climáticas. É autora de numerosos estudos sobre esses temas.