Passados apenas três meses desde que publicamos nossas últimas projeções, em outubro, o número de mortes ligadas à Covid-19 dobrou para mais de 2 milhões, e novas ondas de infecção superaram os picos anteriores da doença em muitos países. Nesses mesmos três meses, várias vacinas demonstraram uma eficácia surpreendente e alguns países iniciaram ambiciosas campanhas de vacinação. Muito depende agora do resultado dessa corrida entre um vírus mutante e as vacinas para acabar com a pandemia, bem como da capacidade das políticas para proporcionar um apoio eficaz até que isso ocorra. Ainda há muitas incertezas e as perspectivas são bastante variadas entre os países.
Na mais recente edição do World Economic Outlook, projetamos um crescimento mundial de 5,5% em 2021 – 0,3 ponto percentual acima de nossa previsão de outubro – seguido por um recuo moderado para 4,2% em 2022. A previsão mais elevada para 2021 reflete os efeitos positivos do início da vacinação em alguns países, novas políticas de apoio adotadas no fim de 2020 em economias como os Estados Unidos e o Japão e um aumento previsível das atividades que exigem proximidade física conforme a crise sanitária se dissipe. Contudo, os efeitos positivos são parcialmente neutralizados por uma ligeira deterioração das perspectivas de curtíssimo prazo, pois as medidas tomadas para conter a propagação do vírus reduzem a atividade econômica.
Essas previsões estão sujeitas a um grau elevado de incerteza. Vacinas e tratamentos mais eficazes, em combinação com o reforço das políticas de apoio, podem levar a melhores resultados, ao passo que um ritmo lento de distribuição das vacinas, mutações do vírus e a retirada prematura das políticas de apoio podem conduzir a resultados piores. Se esses riscos se materializarem, um aperto das condições financeiras poderia agravar a desaceleração em um momento em que o endividamento de governos e de empresas atingiu níveis recordes em todo o mundo.
Recuperações incompletas
A recuperação do crescimento projetada para este ano vem na esteira de um grave colapso em 2020. Mesmo que a queda estimada (-3,5%) não seja tão terrível como a que projetamos anteriormente (-4,4%), graças ao crescimento mais forte do que o previsto no segundo semestre do ano passado, trata-se ainda da pior contração da economia mundial em tempos de paz desde a Grande Depressão. Devido à natureza parcial da recuperação, a previsão para 2021 é que a renda per capita de mais de 150 economias seja inferior aos níveis registrados em 2019. Em 2022, esse número deve ser ligeiramente inferior: cerca de 110 economias. A perda de produção acumulada no período de 2020-2025 em relação aos níveis previstos antes da pandemia é substancial, situando-se próxima de US$ 22 trilhões.
Grande divergência entre os países e dentro deles
A solidez da recuperação projetada também varia consideravelmente entre os países, com grandes diferenças nas perdas de produção previstas em relação aos prognósticos anteriores à Covid. A China retornou ao nível de atividade projetado antes da pandemia no quarto trimestre de 2020, à frente de todas as grandes economias. A previsão é que os Estados Unidos ultrapassem os níveis anteriores à Covid neste ano, muito antes da área do euro. A expectativa geral de uma retomada mais rápida nas economias avançadas ameaça reverter os progressos obtidos na última década rumo à convergência. Mais de 50% das economias de mercados emergentes e em desenvolvimento que estavam convergindo para o nível de renda per capita das economias avançadas na última década devem ficar mais distantes desse objetivo no período 2020–2022.
A retomada mais célere nas economias avançadas deve-se, em parte, à aplicação mais ampla de políticas de apoio e ao acesso mais rápido às vacinas em comparação com muitos países em desenvolvimento. Os países exportadores de petróleo e as economias dependentes do turismo enfrentam um panorama particularmente difícil, dadas as perspectivas moderadas para os preços do petróleo e o prognóstico de uma lenta normalização das viagens internacionais.
Mesmo dentro de cada país, o impacto da crise foi desigual entre os diversos grupos, aumentando a desigualdade. Os trabalhadores informais ou de baixa escolaridade, os jovens e as mulheres sofreram perdas de renda desproporcionais. A previsão é que cerca de 90 milhões de pessoas caiam na pobreza extrema em 2020–21, revertendo as tendências das duas últimas décadas.
Políticas para uma recuperação robusta, inclusiva, resiliente e verde
Se as vacinas e os tratamentos mantiverem sua eficácia contra as novas cepas do vírus, poderemos sair desta crise com menos sequelas do que temíamos e conter a divergência das perspectivas dentro dos países e entre eles. Contudo, isso exigirá muito mais no campo das políticas.
Em primeiro lugar, a comunidade internacional precisa agir sem demora para assegurar o acesso amplo e rápido às vacinas e tratamentos em todo o mundo, a fim de corrigir a profunda desigualdade de acesso que existe atualmente. Será fundamental intensificar a produção e reforçar o financiamento para o mecanismo Covax e para a logística de distribuição das vacinas às nações mais pobres. Os argumentos econômicos e sanitários para isso são irrefutáveis. As novas cepas do vírus são um lembrete de que a pandemia só será vencida quando tiver sido erradicada em todo o mundo, e estimamos que o progresso mais acelerado para superar a crise sanitária elevará a renda mundial em US$ 9 trilhões em termos acumulados no período 2020–25, com benefícios para todos os países, inclusive as economias avançadas (cerca de US$ 4 trilhões).
Em segundo lugar, o auxílio econômico direcionado às famílias e empresas deve ser mantido nos países que estejam enfrentando novos surtos do vírus, para ajudar a preservar os meios de subsistência e evitar a falência de empresas que seriam viáveis em circunstâncias normais, permitindo assim uma recuperação mais rápida assim que as restrições forem suspensas. Em países com espaço fiscal limitado, devem ser priorizados os gastos em saúde e as transferências para os pobres. Quando o número de infecções estiver em queda permanente e uma parcela maior da população adquirir imunidade ao vírus, as medidas de auxílio econômico podem ser gradativamente suspensas, com critérios cada vez mais restritivos ao longo do tempo para incentivar a mobilidade da mão de obra e reduzir o risco de empresas “zumbis” que podem prejudicar a produtividade.
Se houver margem para a aplicação de políticas, os recursos liberados podem ser realocados para apoiar a recuperação. As áreas prioritárias abrangem os gastos com educação para remediar o retrocesso no desenvolvimento de capital humano, a digitalização para impulsionar o crescimento da produtividade e o investimento verde para gerar empregos e acelerar a transição para uma nova economia climática. Um impulso sincronizado em favor do investimento público verde por parte das maiores economias com espaço fiscal para tanto pode aumentar a eficácia das ações individuais e reforçar as repercussões internacionais positivas por meio dos vínculos comerciais.
Em terceiro lugar, a estabilidade financeira deve ser assegurada nestes tempos de grande incerteza. A política monetária deve permanecer acomodatícia para apoiar a recuperação onde não houver risco inflacionário, com especial atenção para conter os riscos que provavelmente surgirão em decorrência das taxas de juros historicamente baixas. Quando as medidas tomadas por causa da pandemia, como a moratória dos pagamentos de empréstimos, forem finalmente abolidas, é provável que aumentem as falências e os empréstimos em atraso, o que pode pressionar sistemas bancários já fragilizados. Os países devem elaborar quadros especiais de reestruturação extrajudicial para agilizar os processos de falências, de modo a não comprometer a geração de crédito. Os gastos fiscais e o colapso da produção elevaram os níveis da dívida soberana mundial a patamares sem precedentes. Embora os juros baixos, combinados com a recuperação do crescimento projetada para 2021, estabilizem os níveis da dívida em muitos países, todos se beneficiarão de um quadro fiscal de médio prazo para assegurar a manutenção da sustentabilidade da dívida.
Por último, a comunidade internacional precisa fazer mais para ajudar as nações mais pobres a combater a crise e evitar grandes retrocessos na busca de seus objetivos de desenvolvimento sustentável. A forte flexibilização da política monetária por parte dos principais bancos centrais melhorou as condições de financiamento para muitos países em desenvolvimento. No entanto, outros enfrentam restrições mais graves e precisarão de mais apoio internacional na forma de doações, empréstimos concessionais e alívio da dívida e, em alguns casos, reestruturação total da dívida ao abrigo do novo Quadro Comum acordado pelo G-20.
Diante de um desafio global sem precedentes, a comunidade internacional precisa agir agora para derrotar a pandemia em todo o mundo, reverter a divergência nas perspectivas entre os países e dentro deles e, assim, assegurar a construção de um futuro mais próspero, verde e inclusivo.
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Gita Gopinath é Conselheira Econômica e Diretora do Departamento de Estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI). É professora da cátedra John Zwaanstra de Estudos Internacionais e Economia do Departamento de Economia da Universidade de Harvard, de onde está licenciada.
Seus estudos concentram-se nas áreas de finanças internacionais e macroeconomia, com artigos publicados nos principais periódicos de prestígio. É autora de numerosos artigos sobre taxas de câmbio, comércio e investimento, crises financeiras internacionais, política monetária, dívida e crises de mercados emergentes.
Atualmente, é coeditora do Handbook of International Economics e foi coeditora da American Economic Review e editora-chefe da Review of Economic Studies. Serviu também como codiretora do programa de Finanças Internacionais e Macroeconomia do National Bureau of Economic Research (NBER), foi pesquisadora visitante do Banco da Reserva Federal de Boston e membro do painel de assessoria econômica do Banco da Reserva Federal de Nova York. De 2016 a 2018, foi Assessora Econômica do Ministro-Chefe de Kerala, na Índia. Serviu também como membro do Grupo Assessor de Pessoas Eminentes sobre assuntos do G-20 para o Ministro das Finanças da Índia.
Gopinath foi eleita membro da Academia Americana de Artes e Ciências e da Sociedade de Econometria, e recebeu o prêmio “Distinguished Alumnus Award” da Universidade de Washington. Em 2019, figurou na relação de maiores pensadores globais compilada pela revista Foreign Policy; em 2014, foi incluída pelo FMI na lista dos 25 economistas mais promissores com menos de 45 anos e, em 2011, foi apontada Jovem Líder Mundial pelo Fórum Econômico Mundial. Foi agraciada pelo governo da Índia com o Pravasi Bharatiya Samman, a mais alta honraria outorgada a cidadãos indianos no exterior. Antes de se integrar ao corpo docente da Universidade de Harvard em 2005, foi professora adjunta de Economia da Booth School of Business da Universidade de Chicago.
Gita Gopinath nasceu na Índia. É cidadã norte-americana e cidadã ultramarina da Índia. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Princeton em 2001, tendo concluído o ensino universitário básico no Lady Shri Ram College e obtido mestrados pela Faculdade de Economia de Délhi e pela Universidade de Washington.