O mundo mudou radicalmente nos três meses desde nossa última atualização do relatório World Economic Outlook, em janeiro. Um desastre raro – uma pandemia de coronavírus – está provocando a perda trágica de um número cada vez maior de vidas. À medida que os países impõem as quarentenas e práticas de distanciamento social necessárias para conter a pandemia, o mundo entrou em um Grande Lockdown. A magnitude e a velocidade do colapso da atividade econômica que se seguiu são diferentes de tudo o que já vimos.
Trata-se de uma crise como nenhuma outra, e é enorme a incerteza sobre seu impacto na vida e na subsistência das pessoas. Muito depende da epidemiologia do vírus, da eficácia das medidas de contenção e do desenvolvimento de terapêuticas e vacinas, e tudo isso é difícil de prever. Muitos países enfrentam agora múltiplas crises – uma crise sanitária, uma crise financeira e um colapso nos preços das commodities – que interagem de forma complexa. As autoridades estão prestando apoio sem precedentes às famílias, empresas e mercados financeiros e, embora isso seja crucial para uma recuperação robusta, é grande a incerteza sobre como será o cenário econômico quando sairmos deste lockdown.
Partindo do pressuposto de que a pandemia e as medidas de contenção necessárias cheguem ao pico no segundo trimestre na maioria dos países do mundo, e que arrefeçam no segundo semestre deste ano, na edição de abril do World Economic Outlook projetamos que o crescimento mundial em 2020 caia para -3%. É uma redução de 6,3 pontos percentuais do nosso prognóstico de janeiro de 2020, uma correção bastante significativa em um período muito curto. Com isso, o Grande Lockdown caracteriza a mais grave recessão desde a Grande Depressão, muito pior do que a crise financeira mundial de 2009.
Pressupondo que a pandemia se dissipe no segundo semestre de 2020 e que as medidas de política econômica tomadas em todo o mundo sejam eficazes para evitar a quebra generalizada de empresas, demissões em massa e tensões financeiras em todo o sistema, projetamos que o crescimento mundial em 2021 se recupere para 5,8%.
Esta recuperação em 2021 será apenas parcial, pois o nível da atividade econômica deve permanecer abaixo do que havíamos projetado para 2021 antes do surto do vírus. A perda acumulada do PIB mundial em 2020 e 2021 em decorrência da crise pandêmica pode ser de cerca de 9 trilhões de dólares, superior à soma das economias do Japão e da Alemanha.
Trata-se de uma crise verdadeiramente universal, pois nenhum país será poupado. O impacto no crescimento dos países dependentes das atividades de turismo, viagens, hotelaria e entretenimento é particularmente grave. As economias em desenvolvimento e de mercados emergentes enfrentam também outros desafios com a reversão sem precedentes dos fluxos de capital em virtude da diminuição do apetite global por risco, bem como pressões sobre o câmbio, enquanto precisam lidar com sistemas de saúde mais frágeis e um espaço fiscal mais limitado para proporcionar apoio. Além disso, várias economias entraram nesta crise em um estado vulnerável, com crescimento lento e níveis de dívida elevados.
Pela primeira vez desde a Grande Depressão, tanto as economias avançadas como as economias em desenvolvimento e de mercados emergentes estão em recessão. Para este ano, a previsão de crescimento das economias avançadas é de -6,1%. As economias em desenvolvimento e de mercado emergentes cujas taxas de crescimento em geral são bem superiores às das economias avançadas também devem registrar taxas de crescimento negativas de -1,0% em 2020, ou -2,2% se excluirmos a China. A renda per capita deve cair em mais de 170 países. Tanto as economias avançadas como as economias em desenvolvimento e de mercados emergentes devem recuperar-se parcialmente em 2021.
Cenários adversos alternativos
O que descrevi é um cenário de referência. Dada a extrema incerteza em torno da duração e intensidade da crise sanitária, também exploramos cenários alternativos, mais adversos. A pandemia pode não recuar no segundo semestre deste ano, levando a períodos mais longos de contenção, a um agravamento das condições financeiras e a novas rupturas das cadeias produtivas globais. Nesses casos, a queda do PIB mundial seria ainda maior: outros 3% em 2020 se a pandemia se prolongasse neste ano; se ela continuasse em 2021, o PIB mundial poderia sofrer nova queda de 8% em comparação com nosso cenário de referência para o próximo ano.
Medidas de política econômica excepcionais
Achatar a curva de propagação da COVID-19 com medidas de fechamento total, o chamado lockdown, permite aos sistemas de saúde lidar com a doença, o que então possibilitará uma retomada da atividade econômica. Nesse sentido, não existe dilema entre salvar vidas e salvar meios de subsistência. Os países deveriam continuar a gastar o que for necessário com seus sistemas de saúde, testar amplamente a população e abster-se de restrições ao comércio de suprimentos médicos. Um esforço global deve assegurar que, quando forem desenvolvidas terapias e vacinas, todas as nações, sejam elas ricas ou pobres, tenham acesso imediato a elas.
Enquanto a economia estiver paralisada, as autoridades precisarão zelar para que as pessoas consigam suprir suas necessidades e para que as empresas possam retomar suas atividades assim que as fases agudas da pandemia tenham sido superadas. As políticas fiscais, monetárias e financeiras de grande envergadura e bem direcionadas tomadas na hora certa pelas autoridades de muitos países – na forma de garantias de crédito, linhas de liquidez, flexibilização dos prazos dos empréstimos, ampliação do seguro-desemprego, reforço dos benefícios e desonerações fiscais – têm sido a salvação de famílias e empresas. Esse apoio deve ser mantido durante toda a fase de contenção para minimizar as cicatrizes persistentes que poderiam surgir com a redução do investimento e a perda de postos de trabalho nesta grave retração.
As autoridades também devem planejar a retomada. Assim que as medidas de contenção forem abolidas, as políticas devem passar rapidamente para o apoio à demanda, o incentivo à contratação pelas empresas e a reconstrução dos balanços dos setores público e privado para ajudar na recuperação. Um estímulo fiscal coordenado entre países com espaço fiscal ampliará os ganhos para todas as economias. A moratória sobre os pagamentos da dívida e a reestruturação da dívida talvez precisem ser mantidas durante a fase de recuperação.
A cooperação multilateral é fundamental para uma recuperação saudável da economia mundial. Para apoiar os gastos necessários nos países em desenvolvimento, os credores bilaterais e as instituições financeiras internacionais deverão fornecer financiamento concessional, subsídios e alívio da dívida. A ativação e o estabelecimento de linhas de swap entre os principais bancos centrais tem ajudado a aliviar a escassez de liquidez internacional, e essas linhas talvez precisem ser estendidas a mais economias. É necessário um esforço colaborativo para evitar um processo de desglobalização, para que a recuperação não seja prejudicada por novas perdas de produtividade.
No Fundo Monetário Internacional, estamos empregando ativamente nossa capacidade de crédito de US$ 1 trilhão para apoiar países vulneráveis, por exemplo, por meio do desembolso rápido de financiamento emergencial e alívio do serviço da dívida a nossos países membros mais pobres, e estamos instando os credores oficiais bilaterais a fazerem o mesmo.
Há alguns sinais promissores do fim da crise sanitária. Os países estão conseguindo conter o vírus com o uso de práticas de distanciamento social, testes e rastreamento de contatos, pelo menos por enquanto, e o desenvolvimento de tratamentos e vacinas pode ocorrer mais cedo do que o esperado.
Nesse meio tempo, enfrentamos uma tremenda incerteza em torno do que virá a seguir. As políticas nacionais e internacionais devem ser proporcionais à escala e velocidade da crise: devem ser amplas, executadas rapidamente e recalibradas de forma ágil à medida que surjam novos dados. A coragem demonstrada por médicos e enfermeiros deve inspirar as autoridades em todo o mundo para que juntos possamos superar esta crise.
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Gita Gopinath é Conselheira Econômica e Diretora do Departamento de Estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI). É professora da cátedra John Zwaanstra de Estudos Internacionais e Economia do Departamento de Economia da Universidade de Harvard, de onde está licenciada.
Seus estudos concentram-se nas áreas de finanças internacionais e macroeconomia, com artigos publicados nos principais periódicos de prestígio na área econômica. É autora de numerosos artigos sobre taxas de câmbio, comércio e investimento, crises financeiras internacionais, política monetária, dívida e crises de mercados emergentes.
Atualmente, é coeditora do Handbook of International Economics e foi coeditora do American Economic Review e editora-chefe do Review of Economic Studies. Serviu também como codiretora do programa de Finanças Internacionais e Macroeconomia do National Bureau of Economic Research (NBER), foi pesquisadora visitante do Banco da Reserva Federal de Boston e membro do painel de assessoria econômica do Banco da Reserva Federal de Nova York. Entre 2016 e 2018, foi Assessora Econômica do Ministro-Chefe de Kerala, na Índia. Serviu também como membro do Grupo Assessor de Pessoas Eminentes sobre Assuntos do G-20 para o Ministério das Finanças da Índia.
Foi eleita membro da Academia Americana de Artes e Ciências e da Sociedade de Econometria, e recebeu o prêmio “Distinguished Alumnus Award” da Universidade de Washington. Em 2019, figurou na relação de maiores pensadores globais compilada pela revista Foreign Policy; em 2014, foi incluída pelo FMI na lista dos 25 economistas mais promissores com menos de 45 anos e, em 2011, foi apontada Jovem Líder Mundial pelo Fórum Econômico Mundial. Foi agraciada pelo governo da Índia com o Pravasi Bharatiya Samman, a mais alta honraria outorgada a cidadãos indianos no exterior. Antes de se integrar ao corpo docente da Universidade de Harvard em 2005, foi professora adjunta de Economia da Booth School of Business da Universidade de Chicago.
Gita Gopinath nasceu na Índia. É cidadã norte-americana e cidadã ultramarina da Índia. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Princeton em 2001, tendo concluído o ensino universitário básico no Lady Shri Ram College e obtido mestrados pela Faculdade de Economia de Délhi e pela Universidade de Washington.