O crescimento econômico está desacelerando e a dívida pública permanece alta em todo o mundo. Enquanto isso, mudanças demográficas e avanços tecnológicos estão reconfigurando a economia mundial.
As oportunidades para todos terem uma boa educação, além das perspectivas de emprego, saúde e renda de aposentadoria, dependem das decisões sobre gastos e tributos que os governos tomam ao responder a esses desafios.
O que as autoridades devem fazer?
Na nova edição do Fiscal Monitor , sustentamos que elas podem assumir uma visão de longo prazo para promover um crescimento mais acelerado e mais inclusivo. Isso significa pôr em ordem as finanças públicas ao reduzir gradativamente a dívida para se preparar para a próxima fase de contração e modernizar a política fiscal para investir no futuro das pessoas. Isso exige melhorar a alocação dos gastos, gerar mais espaço no orçamento e aprimorar a política tributária.
Preparar-se para a próxima retração
A dívida elevada pode prejudicar a capacidade das autoridades para aumentar gastos ou reduzir impostos para compensar o fraco crescimento econômico, uma vez que os credores podem estar menos dispostos a financiar déficits orçamentários maiores. Os pagamentos de juros da dívida também afastam os gastos com educação, saúde e infraestrutura — investimentos que ajudam o país a crescer por muitos anos.
Cada país precisará identificar uma estratégia apropriada para liberar espaço no orçamento para ajudar a economia durante a próxima retração.
Os países com dívida elevada terão de aumentar as receitas ou cortar os gastos excessivos. Isso é pertinente, sobretudo, onde o crescimento econômico atual supera o crescimento potencial de longo prazo, como nos Estados Unidos, ou onde os custos dos empréstimos são altos e as necessidades de financiamento são grandes, como no Brasil e na Itália.
Contudo, esses países devem manter os investimentos em educação, saúde e infraestrutura, seja redefinindo os gastos prioritários ou ampliando a base tributária, por exemplo, ao abolir isenções fiscais e melhorar a administração tributária.
Quando o financiamento é uma preocupação menor, como na Alemanha e na Coreia, as autoridades podem aumentar o investimento em infraestrutura ou educação para apoiar a economia no curto prazo e promover o crescimento inclusivo nas próximas décadas.
Investir no futuro das pessoas
A política fiscal deve ir além da preparação para a próxima desaceleração da economia. A mudança no perfil demográfico e a chegada das novas tecnologias estão produzindo um impacto profundo no crescimento econômico e na distribuição de renda e riqueza. Essas tendências também afetam as finanças públicas.
Por exemplo, nas economias avançadas, cujas populações estão envelhecendo rapidamente, projetamos que os gastos públicos relacionados à idade, como previdência e saúde, consumirão um quarto do PIB até 2050.
Por outro lado, nas economias em desenvolvimento de baixa renda e de mercados emergentes, as populações são bem mais jovens e crescem a um ritmo acelerado. Para avançar rumo à consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU relacionados à infraestrutura e aos serviços públicos, esses países precisarão elevar os gastos públicos .
O que os países podem fazer para se adaptar a essas tendências mundiais e reduzir a dívida?
Podem adotar políticas mais inteligentes e mais ágeis para facilitar a mudança, o que significa modernizar a política fiscal em três frentes.
Reorientar os gastos
Por exemplo, a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis, tendo-se o cuidado de proteger a população mais vulnerável, poderia fornecer o equivalente a até 4% do PIB mundial em recursos adicionais para os países investirem nas pessoas e no crescimento.
Privilegiar políticas que promovam o aprendizado ao longo da vida e a atualização contínua das qualificações também é importante em um mundo mais digital e automatizado. Por exemplo, Singapura subsidia cursos para todos os adultos ao longo da vida profissional, e a Holanda oferece deduções fiscais para a capacitação da força de trabalho.
O combate à corrupção também ajudaria a obter mais recursos e reduzir o desperdício, como mostramos no Capítulo 2 do Fiscal Monitor .
Criar mais espaço no orçamento
Segundo, medidas para melhorar a gestão das finanças públicas e aumentar a arrecadação poderiam criar mais espaço no orçamento. Nas economias avançadas, a melhoria da gestão dos ativos financeiros do governo poderia render até 3% do PIB por ano em receita adicional, como mostramos no Fiscal Monitor de outubro de 2018 .
As economias em desenvolvimento de baixa renda e de mercados emergentes deveriam aumentar a arrecadação. Por exemplo, os países da África Subsaariana poderiam obter, em média, de 3% a 5% do PIB em receita adicional nos próximos cinco anos se conseguissem aumentar a eficiência de seus sistemas tributários.
Melhorar as políticas tributárias
Terceiro, as economias avançadas devem voltar a adotar impostos sobre a renda mais progressivos, o que ajudará a reduzir a desigualdade. A maioria também tem margem para aumentar consideravelmente a receita da tributação de heranças, propriedades e imóveis.
Além disso, os governos devem cooperar para reformar a tributação das grandes empresas multinacionais, especialmente as digitais. Isso ajudaria a mobilizar mais receitas, inclusive nos países em desenvolvimento de baixa renda, limitando a transferência de lucros e a guerra fiscal no plano mundial.
Essas medidas ajudariam a elevar o crescimento econômico de longo prazo, um fator fundamental para reduzir o ônus da dívida pública elevada. Ademais, contribuiriam para uma distribuição mais ampla dos benefícios econômicos dentro dos países e entre eles, e restaurariam a confiança pública nas instituições, que é imprescindível para a estabilidade econômica.
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Vítor Gaspar , cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial. Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Econômica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e foi Diretor-Geral de Estudos Econômicos no Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se e agregou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, tendo também estudado na Universidade Católica Portuguesa.
John Ralyea é Economista Sênior no Departamento de Finanças Públicas do FMI, tendo trabalhado também no Departamento Financeiro e no Departamento da Europa, onde participou das equipes encarregadas da Eslováquia, Eslovênia, Espanha e Romênia. Desenvolveu estudos relacionados aos riscos fiscais, abrangendo empresas estatais, a previdência pública e as regras fiscais. Antes de ingressar no FMI, trabalhou para o Departamento do Tesouro dos EUA. Tem um mestrado pela Johns Hopkins School of Advanced International Studies. Em outra etapa de sua vida profissional, foi Contador Público Certificado (CPA).
Elif Ture , da Turquia, é economista no Departamento de Finanças Públicas (FAD) do FMI, onde analisa questões fiscais europeias na equipe da área do euro e contribui para o Fiscal Monitor. No FAD, já trabalhou com riscos fiscais de passivos contingentes, regras fiscais, federalismo fiscal e governança fiscal na Europa. Anteriormente, foi economista no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, concentrando-se em análises e políticas relacionadas à sustentação do crescimento forte e inclusivo nas economias do Cone Sul. Suas principais áreas de estudo são as imperfeições do setor financeiro e as ligações macrofinanceiras. É doutora em Economia pela Universidade de Maryland em College Park.