África Subsariana: Um novo choque e pouca margem de manobra

28 de abril de 2022

  • A guerra na Ucrânia interrompeu uma recuperação regional promissora. No ano passado, a atividade surpreendeu pela positiva, elevando o crescimento projetado de 3,7 para 4,5%. Mas a guerra introduziu um novo e trágico desenvolvimento e, por esta razão, o crescimento em 2022 irá abrandar para 3,8%.
  • A nova crise vem juntar-se a uma pandemia já prolongada, e as perspetivas para os custos do crédito e a procura mundial são cada vez mais incertas, o que cria uma perspetiva de políticas desafiadora e complicada para as autoridades – com necessidades crescentes, maiores riscos e menos opções.
  • Para além da aceleração da vacinação, os decisores políticos enfrentam três prioridades imediatas: i) abordar o impacto local da guerra, ii) equilibrar inflação e crescimento e iii) gerir o ajustamento das taxas de câmbio.
  • Além disso, olhando para além do atual conjunto de crises, é necessária uma ação de política decisiva para reforçar a diversificação económica, promover a integração regional (inclusivamente através da ZCLCA), libertar o potencial do setor privado e enfrentar os desafios colocados pelas alterações climáticas. Em todas estas áreas, a solidariedade e cooperação internacionais contínuas serão ainda essenciais.

Washington, DC. Uma recuperação regional promissora foi perturbada pela guerra na Ucrânia.

A recuperação na África Subsariana acelerou no terceiro trimestre de 2021 e resistiu apesar do início duma quarta vaga da Covid-19 no final do ano. O crescimento estimado em 2021 foi revisto em alta, de 3,7% para 4,5%.

Tragicamente, contudo, este progresso tem sido contrariado por acontecimentos recentes. A invasão russa da Ucrânia desencadeou um aumento acentuado dos preços das matérias-primas – reduzindo os saldos orçamentais e externos dos países importadores de matérias-primas e aumentando as preocupações com a segurança alimentar em toda a região. Como resultado, espera-se que a atividade económica abrande para 3,8% este ano , sujeita a um leque excecional de riscos, afirma o Fundo Monetário Internacional (FMI) na mais recente edição do relatório Perspetivas económicas regionais: África Subsariana .

“A guerra na Ucrânia já redefiniu as perspetivas a curto prazo para a África Subsariana”, salientou Abebe Aemro Selassie, Diretor do Departamento de África do FMI. “O choque nos mercados mundiais de matérias-primas irá aumentar a inflação, atingir as famílias mais vulneráveis da região, exacerbar a insegurança alimentar, elevar as taxas de pobreza e possivelmente agravar as tensões sociais.

Os preços mais elevados do petróleo podem gerar ganhos extraordinários para os 8 exportadores de petróleo da região. Mas para os outros 37 países, irão agravar os desequilíbrios comerciais e aumentar os custos do transporte e de vida. De facto, nos últimos meses, aumentámos significativamente as nossas projeções de inflação – elevando a média regional para 2022 em 4 pontos percentuais, que representa o pior resultado desde 2008.

Para a maioria dos países, a nova crise chega numa altura extremamente difícil – no momento em que a pandemia de Covid-19 entra no seu terceiro ano, os amortecedores orçamentais e externos já estão sob tensão e o espaço para a aplicação de políticas é limitado.”

Neste contexto, o Sr. Selassie apontou as principais políticas prioritárias. “Em relação à saúde, a região precisa de acelerar ainda mais a vacinação para conter os riscos de novas vagas de Covid-19.

No plano económico , os governos irão enfrentar três desafios imediatos a curto prazo.

Primeiro, proteger as suas famílias mais vulneráveis sem comprometer a sustentabilidade da dívida . Os rácios da dívida pública estão nos níveis mais elevados em mais de duas décadas, e muitos países de baixos rendimentos estão em situação de sobre-endividamento, ou perto disso.

A política orçamental precisa de proteger as famílias vulneráveis do aumento dos preços dos alimentos e da energia, sem agravar as vulnerabilidades da dívida. A melhor resposta imediata são transferências direcionadas para famílias vulneráveis. Mas reduções fiscais específicas ou subvenções de preços (ambos com cláusulas de caducidade claras) podem ser a segunda melhor alternativa, em especial para países com redes de segurança social fracas. No caso dos países com maiores restrições orçamentais, encontrar os recursos para proteger os mais vulneráveis pode exigir a repriorização das despesas. Por outro lado, nos países exportadores de matérias-primas, a elevação dos preços desses produtos pode gerar receitas orçamentais extraordinárias. Mas tendo em conta as perspetivas incertas e as situações orçamentais frequentemente precárias, a maioria destes ganhos deve ser usada para reconstituir as margens de reservas.

A navegação nesta complexa via de políticas será difícil e muitos países necessitarão de apoio internacional. O FMI está pronto a ajudar. No ano passado, a atribuição de 23 mil milhões de USD em direitos de saque especiais (DSE) do FMI ajudou a financiar despesas urgentes durante a pandemia. Olhando para o futuro, o compromisso do Grupo dos Vinte de canalizar mais 100 mil milhões de DSE para países vulneráveis é outro passo importante, e o recentemente criado Fundo Fiduciário para a Resiliência e Sustentabilidade (RST, na sigla em inglês) ajudará a garantir que estes recursos sejam usados para fornecer o tão necessário apoio às políticas e financiamento a longo prazo. Mas a comunidade internacional deve ir mais longe, por exemplo, removendo os obstáculos à aplicação do Quadro Comum e permitindo reestruturações rápidas e eficientes da dívida, quando necessário.

O segundo desafio será conter a inflação sem comprometer a recuperação. Com pressões inflacionistas crescentes e níveis de produção abaixo das tendências pré‑pandémicas na maioria dos países, os bancos centrais enfrentam um difícil ato de equilíbrio entre a contenção da inflação e o apoio ao crescimento. As autoridades devem monitorizar a inflação com cuidado e estar preparadas para aumentar as taxas de juro, se necessário, mantendo ao mesmo tempo quadros de políticas credíveis e claramente comunicados.

E como terceiro desafio, muitos países terão deabordar as pressões cambiais decorrentes de taxas de juro mundia is mais elevadas e do aumento da incerteza. No caso dos regimes de paridade cambial fixa, as autoridades devem encontrar o equilíbrio certo entre a política monetária e orçamental para manter a credibilidade do regime. Nos países com regimes cambiais mais flexíveis, a depreciação pode muitas vezes atuar como um valioso amortecedor de choques, mas também complica as perspetivas dos países com dívidas em moeda estrangeira ou onde a depreciação é transmitida rapidamente para a inflação local. A este respeito, a intervenção cambial pode ajudar a compensar movimentos cambiais excessivos, mas o seu âmbito é muitas vezes limitado por reservas internacionais baixas. Nestes casos, a restritividade monetária também pode ser necessária para apoiar a moeda, mesmo face a uma fraca atividade económica.

Olhando além da pandemia e das atuais tensões geopolíticas, a criação de empregos e o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável exigirá um crescimento forte, inclusivo e sustentável na África Subsariana”, observou o Sr. Selassie.

“Para tal, são necessárias políticas decisivas para aumentar a diversificação económica, libertar o potencial do setor privado e enfrentar os desafios colocados pelas alterações climáticas.

Dada a exposição da África Subsariana a catástrofes ligadas ao clima e a dependência da agricultura pluvial, o investimento na adaptação climática será fundamental. A transição ecológica mundial também oferece novas oportunidades à luz do vasto potencial da região em matéria de fontes de energia renováveis. O apoio financeiro internacional continuará a ser crucial para ajudar a financiar o custo da adaptação, permitir à África Subsariana aproveitar as oportunidades oferecidas pela transição para uma economia mais ecológica e garantir um acesso justo e acessível à energia. Tais medidas podem não ser fáceis, mas são essenciais se a região – e o mundo – quiser beneficiar do século africano há muito prometido.”

Departamento de Comunicação do FMI
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