África do Sul: Restaurar a confiança para lubrificar as engrenagens do crescimento
8 de agosto de 2018
Já se passaram quase 25 anos desde o fim do apartheid, o sistema de segregação racial institucionalizada que restringia o acesso da maioria dos sul-africanos a serviços básicos. Nos anos pós-apartheid houve um progresso notável em termos de redução da pobreza, acesso à educação e redução do desemprego. Mas recentemente algumas dessas conquistas iniciais foram perdidas devido ao lento crescimento económico e à incerteza política.
A última avaliação da economia sul-africana pelo FMI projeta um crescimento do PIB ligeiramente inferior a 2% no médio prazo, o que
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Ana Lucía Coronel, que chefia a equipa do FMI para a África do Sul, conversou com Países em Destaque sobre alguns dos problemas enfrentados pela economia.
A palavra “confiança” está espalhada por todo o relatório. Porque é que há uma falta de confiança tão generalizada em muitos setores e qual tendo sido o seu impacto na economia?
A palavra confiança é muito importante na análise económica porque se refere às várias convicções que os agentes económicos têm sobre o ambiente que os cerca.<0} Confiança do consumidor denota as expectativas das famílias sobre a probabilidade de que encontrarão um emprego e de qual será o seu rendimento. Confiança dos investidores está relacionada às suas perspetivas sobre se os seus lucros aumentarão ou se os seus ativos irão se apreciar. E a construção (ou não) da confiança depende, em grande medida, das políticas aplicadas pelo governo. É por isso que confiança é importante e o motivo do relatório se centrar tanto nesta questão.
No caso da África do Sul, há vários anos que a confiança entre os intervenientes está fragilizada e isso provocou baixas taxas de crescimento económico, o que se deve, em parte, ao facto de que a governação não tem sido a melhor. A corrupção na África do Sul tem afetado a confiança da população nos seus líderes e nas suas instituições. Para que a confiança melhore de forma perene e contribua para o aumento do investimento e do emprego, os agentes económicos têm de se convencer que há um progresso palpável no ambiente económico.
Há sinais hoje de que existe a vontade política para abordar alguns dos problemas subjacentes, como corrupção e falta de transparência?
Sim, eu penso que o novo governo está ciente de que a corrupção é um grande obstáculo para o crescimento. Investidores e consumidores adiaram as suas decisões de investir e gastar e isso acabou por afetar a geração de empregos. Acreditamos que a mudança política marcou uma viragem importante. O Presidente Ramaphosa declarou publicamente que deseja combater a corrupção e aumentar a transparência e incluiu este objetivo na sua estratégia económica.
Portanto, a vontade política existe. Constatámos que algumas medidas ousadas já foram tomadas. Em especial, houve mudanças nos conselhos e nas direções de algumas das principais empresas públicas com o objetivo de substituir dirigentes questionáveis por pessoas idóneas. Também ocorreu uma importante renovação na direção-geral dos impostos que permitirá a cobrança de impostos que no passado eram perdidos devido à corrupção. E sabemos que alguns funcionários públicos envolvidos em práticas ilegais estão a ser processados.
Dada a boa qualidade das leis e das instituições da África do Sul, o objetivo é apenas fazer com que transações e contratos acatem essas leis e instituições. Portanto, o combate às falhas de governação no país não deverá ser tão difícil como em outros lugares.
O forte compromisso político de aprofundar as reformas da governação também permitirá ao governo avançar com outras reformas que o país precisa urgentemente para combater o desemprego e a desigualdade, em particular as relacionadas aos mercados laboral e de bens.
A desigualdade na África do Sul continua a ser um enorme problema, apesar de o país ter instituições e infraestruturas relativamente boas. Qual o motivo desta crescente disparidade entre ricos e pobres e onde é que o país precisa investir para mudar esta tendência?
Sim. De facto, a África do Sul é uma das sociedades mais desiguais do mundo e, em parte, isto reflete os legados do apartheid que ainda pesam sobre a economia. Os sul-africanos negros ainda são muito mais pobres que os sul-africanos brancos e também há disparidades dentro das etnias. Além disso, existe uma disparidade salarial entre homens e mulheres de cerca de 30%, que é bastante alta, e onde as pessoas vivem ainda determina o acesso que elas terão à educação e ao emprego.
A desigualdade é uma questão complexa que está bastante ligada à falta de empregos. Portanto, a economia precisa de reformas para que possa gerar empregos. As reformas deverão centrar-se na promoção da concorrência na produção de bens e serviços para que mais empresas venham e invistam no país, em leis laborais mais flexíveis para que mais gente possa fazer parte da força de trabalho e na melhoria do ambiente empresarial para atrair investimento.
Mas o que também está a acontecer na África do Sul é que empresas que geram empregos têm dificuldades em encontrar trabalhadores qualificados e os desempregados têm dificuldades em encontrar empregos que aceitem as suas qualificações limitadas, e isto deve‑se à inadequação das competências que existe no país. Portanto, investir na melhoria da qualidade de ensino é um elemento crucial no combate ao desemprego e à desigualdade.
Além disso, embora a África do Sul possua programas bem direcionados para transferir recursos para os segmentos mais vulneráveis da sociedade, é preciso melhorar o sistema de distribuição destes subsídios de modo a assegurar que mais dinheiro é destinado aos pobres.
O relatório mostra que de facto o governo aumentou as suas despesas em programas como educação ao longo dos anos, mas os resultados são escassos. Afirma que a qualidade dos serviços, em especial no ensino, é das mais baixas da região. Porque é que este aumento da despesa não deu frutos?
A despesa do governo não deu frutos em algumas áreas simplesmente porque os recursos não foram gastos de forma eficiente. No ensino, por exemplo, os aumentos dos salários e dos benefícios dos professores foram significativos, mas o problema é que estes aumentos muitas vezes refletiam negociações com sindicatos poderosos e não, necessariamente, o desempenho dos professores. Uma parcela considerável dos docentes não tem qualificações suficientes para ensinar e isto é um problema em termos da qualidade de ensino.
Outro problema é que a distribuição de recursos não é uniforme. As escolas públicas em áreas urbanas recebem mais dinheiro por aluno que as das áreas rurais. Em setores de baixos rendimentos do país, apesar de não terem despesas com propinas, os alunos gastam muito com transporte e isso fez com que mais gente abandonasse a escola.
Portanto, apesar do aumento nas despesas, a África do Sul está muito mal classificada em inquéritos internacionais de avaliação do sucesso escolar. Isso é muito triste. As estatísticas mostram que cerca de metade dos alunos sul-africanos abandonam a escola antes de concluírem o ensino secundário e menos de 5% dos que começaram o ensino primário conseguem um diploma universitário. Num país como a África do Sul, que goza de sofisticação em muitos setores, sobretudo no setor financeiro, isto tem de mudar.
O setor financeiro é um caso interessante no país em termos de tecnologia. A tecnologia está a ter um papel cada vez mais importante na prestação de serviços a segmentos da população que tradicionalmente são excluídos. Qual é o desempenho da África do Sul na colocação de serviços em linha e como isso poderá afetar os padrões de vida e a economia nos próximos anos?
É verdade, a África do Sul está na vanguarda da revolução digital em África. Isto está a beneficiar os bancos e a alargar o acesso da população ao crédito, graças a avanços tecnológicos como a banca móvel. Além disso, o banco central criou uma unidade de tecnologia financeira que está a testar a compensação interbancária e a liquidação de transações através da tecnologia de livro-razão distribuído e é um modelo para o continente.
Outro desenvolvimento tecnológico interessante é a ligação entre digitalização e governação. Por exemplo, o governo está a dar ênfase aos pagamentos eletrónicos de impostos – dado que a evasão fiscal se tornou um problema grave na África do Sul. As declarações aduaneiras também passaram a ser feitas eletronicamente e o novo sistema automatizado de concursos captura os dados dos beneficiários de contratos públicos, o que é muito bom para a melhoria da governação no país. Este sistema também aumentou a inclusividade, com um número muito maior de pequenas empresas a participar do processo de concursos e a obter contratos.
Dito isto, acredito que o uso da tecnologia tem ainda um longo caminho a percorrer na África do Sul dado o potencial da economia. Por exemplo, o custo da internet é alto e a sua qualidade é baixa porque há muito poucos concorrentes. A recomendação do corpo técnico do FMI é de que se aumente a concorrência em todos os setores para que mais empresas privadas, nacionais e estrangeiras, possam investir e competir na produção de serviços – não só nas telecomunicações, mas também na energia, no transporte e noutros setores.