Brasil: Declaração final do corpo técnico sobre a missão de consulta de 2018 nos termos do Artigo IV
25 de maio de 2018
A declaração final descreve as conclusões preliminares do corpo técnico do FMI ao término de uma visita oficial (ou ‘missão’). Esta missão foi realizada como parte de consultas regulares (em geral anuais) nos termos do Artigo IV do Convênio Constitutivo do FMI.
As autoridades consentiram com a publicação desta declaração. As opiniões aqui expressas são as do corpo técnico do FMI e não representam necessariamente as opiniões da Diretoria Executiva da instituição. Com base nas conclusões preliminares desta missão, o corpo técnico elaborará um relatório que, após aprovado pela Direção, será submetido à apreciação e decisão da Diretoria Executiva do FMI.
Uma ligeira recuperação está em andamento, respaldada por políticas monetárias e fiscais acomodatícias. Contudo, o hiato do produto é grande, a dívida pública é elevada e crescente e, mais importante, sem reformas adicionais, as perspectivas de crescimento no médio prazo são pouco inspiradoras. No contexto do aperto das condições financeiras globais, colocar o Brasil em uma trajetória de crescimento forte, equilibrado e sustentável exige determinação na consolidação fiscal, reformas estruturais ambiciosas e o fortalecimento da arquitetura do setor financeiro. Isso exigirá uma forte liderança e determinação. As medidas recentes, em especial o teto dos gastos e as reformas trabalhista e do crédito subsidiado são bem-vindas e devem ajudar a aumentar a confiança. Todavia, ainda é preciso fazer muito mais. No curto prazo, uma vez que a inflação está abaixo da meta e as expectativas estão ancoradas, a política monetária deve permanecer acomodatícia para facilitar uma recuperação duradoura, enquanto a consolidação fiscal dever ser acelerada. A taxa de câmbio deve permanecer flexível para absorver choques externos.
Está em andamento uma ligeira recuperação, respaldada por políticas acomodatícias. A política monetária permanece acomodatícia no contexto de um grande hiato do produto e de uma inflação historicamente baixa. A orientação fiscal também é favorável à recuperação, com o déficit primário projetado em 2018 subindo de 1,7% para 2,4% do PIB, baseado na meta estabelecida. A previsão é que o crescimento do PIB acelere de 1% em 2017 para cerca de 2% em 2018, impulsionado pelo consumo e investimento privados.
O setor financeiro tem se mostrado resiliente, mas a recuperação do crédito bancário ainda é lenta. Apesar da gravidade da recessão de 2015-16, os bancos continuam bem capitalizados e lucrativos, e os indicadores de liquidez são bons. Os bancos públicos estão reduzindo a concessão de crédito após a grande expansão durante a crise, mas os bancos privados e mercados de capitais estão compensando essa redução. O crédito bancário está aumentando para as famílias, mas continua a se retrair para as empresas não financeiras, cuja rentabilidade e liquidez agora são menores do que antes da crise. Embora as empresas não financeiras permaneçam vulneráveis a choques, os bancos têm reservas suficientes para absorver possíveis perdas.
O governo adotou medidas importantes para aumentar a confiança e elevar o crescimento do produto potencial. O teto das despesas primárias federais constitui a base para o ajuste fiscal nos próximos anos. A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP) e a redução do balanço patrimonial do BNDES imposta pelo governo estão ajudando a eliminar as distorções no mercado de crédito. A reforma trabalhista reduziu o volume de ações na Justiça do Trabalho e aumentou a flexibilidade.
As reservas externas são substanciais. O volume de reservas é grande, totalizando mais de US$ 370 bilhões. O déficit em conta corrente caiu para ½% do PIB em 2017, em grande parte por causa da contração das importações. Ademais, projeta-se que o déficit aumente modestamente para cerca de 2% do PIB no médio prazo e seja financiado confortavelmente pelo sustentado investimento direto no pais. A dívida pública é predominantemente denominada em reais, e as necessidades de rolagem externa das dívidas pública e privada são baixas, em torno de 8% do PIB por ano. Esses fatores, combinados com uma taxa de câmbio flexível, reforçam a resiliência do Brasil a choques externos.
Os custos sociais da crise foram graves. Após cair durante anos, a desigualdade e a pobreza aumentaram durante a crise. O desemprego caiu em relação ao seu nível mais alto, mas ainda está acima de 12%mesmo com o elevado número de pessoas desalentadas. As taxas de desemprego são muito mais altas entre os jovens, as mulheres e afrodescendentes. Como a recuperação do emprego formal é lenta, muitos estão buscando empregos informais ou trabalho autônomo, sem a devida proteção social.
Os riscos de deterioração prevalecem. A recuperação ainda é frágil e os choques podem pressionar o crescimento. Caso não se consiga avançar rapidamente com a consolidação fiscal nem aprovar reformas urgentes, a confiança poderia ser prejudicada, o que causaria um súbito aperto das condições financeiras e, consequentemente, uma contração do crescimento. O fracasso de mais uma tentativa de aprovar uma reforma previdenciária sólida, fundamental para garantir a sustentabilidade fiscal, continua a ser um risco importante. A rápida desvalorização de algumas moedas de mercados emergentes é um lembrete de que as condições externas podem mudar rapidamente, agravando o efeito da incerteza política interna.
Uma política fiscal mais justa, sustentável e favorável ao crescimento
A consolidação fiscal deve ser fortalecida. No cenário de base do corpo técnico, em que se pressupõe a implementação de reformas para cumprir o teto dos gastos, o resultado primário melhora, passando de um déficit de 2,4% do PIB em 2018 para um superávit de 0,5% do PIB em 2023. Nesse período, a dívida pública deve crescer de 84% do PIB em 2017 para mais de 90% do PIB. Para assegurar a sustentabilidade e reconstruir buffers, o governo deve buscar acelerar a consolidação fiscal e evitar o aumento do déficit primário em 2018. Isso se torna ainda mais importante em razão da dinâmica da dívida e do aperto das condições financeiras mundiais.
A reforma da previdência é uma necessidade para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas e um sistema justo. Representando quase 60% da despesa primária federal, os gastos com a previdência social são muito altos, crescentes e insustentáveis — claramente, o Brasil é um ponto fora da curva entre a maioria das economias emergentes, inclusive na América Latina. Uma reforma abrangente deve visar o aumento da idade de aposentadoria, a desvinculação do piso da aposentadoria do salário mínimo e a moderação da generosidade indevida nas aposentadorias de alguns segmentos da população, sobretudo dos funcionários públicos. Uma reforma nesses moldes aumentaria a equidade e melhoraria a situação fiscal dos governos subnacionais.
São necessárias mais medidas do lado da despesa para que o teto seja respeitado. A revisão da fórmula de reajuste do salário mínimo em 2019 é uma oportunidade para conter os gastos obrigatórios. Além disso, é necessário reformar o regime de emprego e remuneração do setor público para tornar os gastos com pessoal sustentáveis, reduzir as distorções no mercado de trabalho e a desigualdade de renda. A eficiência do gasto público deve ser aperfeiçoada com vistas a aumentar o espaço fiscal, tendo o cuidado de preservar e, se possível, aumentar os gastos com programas sociais eficazes, como o Bolsa Família e o investimento público.
Convém priorizar as medidas tributárias destinadas a aumentar a eficiência e reforçar as receitas. Em particular, convém estudar a possibilidade de eliminar os gastos tributários, que custam cerca de 4% do PIB, acelerar os planos para simplificar o sistema tributário, como a reforma do PIS/Cofins, e manter os esforços para harmonizar os regimes tributários federal e estadual.
O arcabouço fiscal precisa ser fortalecido ainda mais. São bem-vindas as medidas recentes para aumentar a transparência, tomadas pelo Tesouro Nacional, o Tribunal de Contas da União e a Instituição Fiscal Independente. Entre as demais medidas a serem tomadas, figuram a harmonização das normas contábeis para os governos subnacionais, a adoção de um quadro orçamentário de médio prazo e o aumento da flexibilidade do orçamento. As regras fiscais devem ser consistentes com o objetivo de consolidação no médio prazo.
A política monetária deve permanecer acomodatícia
A orientação da política monetária é apropriada. Com a inflação abaixo da meta – um reflexo do grande hiato do produto – e as expectativas de inflação bem ancoradas, a política monetária deve permanecer acomodatícia. Qualquer mudança na orientação da política monetária deve ser condicionada pelos dados e se basear numa avaliação dos riscos para a inflação, levando em consideração tanto os fatores externos como o progresso da consolidação fiscal. Reforçar a independência do Banco Central do Brasil (BCB) fortaleceria ainda mais o regime de metas de inflação.
O regime de câmbio flexível é um dos pilares do arcabouço macroeconômico. A intervenção no mercado de câmbio deve se limitar unicamente aos casos de volatilidade excessiva do mercado. O nível atual das reservas internacionais proporciona uma importante margem de manobra diante de grandes choques externos. A política monetária deve responder aos movimentos da taxa de câmbio apenas se houver riscos claros para as expectativas inflacionárias.
Fortalecimento da arquitetura do setor financeiro
Os fundamentos do setor bancário devem ser fortalecidos. O Programa de Avaliação do Sistema Financeiro 2018 (FSAP, pela sigla em inglês) reportou que os bancos são, de forma geral, resilientes a severos choques macrofinanceiros. As autoridades implementaram reformas chaves para fortalecer a supervisão e a regulamentação, tanto no nível micro quanto no nível sistêmico. A independência do BCB e a proteção legal do seu corpo técnico reforçariam a supervisão microprudencial e a rede de proteção do sistema financeiro. A abordagem da regulação e supervisão deve ser atualizada para tratar das exposições e transações com partes relacionadas, as grandes exposições, o risco ligado a países e transferências e os empréstimos reestruturados. Deve estar na pauta também a criação de comitês interagências com mandatos nas áreas de política macroprudencial e gestão de crises.
A rede de proteção deve ser melhorada. Em particular, um novo regime de resolução financeira em conformidade com as recomendações do FSAP deve ser introduzido sem demora. O processo de concessão de assistência de liquidez emergencial deve ser mais rigoroso para evitar o risco de que essa assistência seja prestada a bancos insolventes. Além disso, o Fundo Garantidor de Créditos deve passar a fazer parte do setor público para ajudar a evitar conflitos de interesses e manter o mandato da estabilidade financeira no setor público.
Mais reformas estruturais aumentariam o crescimento de forma expressivaPara que a agenda de reformas estruturais avance, é preciso estabelecer prioridades claras. O Brasil enfrenta uma longa lista de reformas estruturais que podem impulsionar a produtividade, mas é fundamental definir prioridades. O corpo técnico frisa a importância de tomar medidas para melhorar a intermediação financeira, reforçar a integração comercial e combater a corrupção.
A melhoria da intermediação financeira aumentará a produtividade. Segundo o FSAP, custos operacionais elevados, grandes perdas de crédito, e outros fatores, aumentam os custos de intermediação. A missão considera louváveis os planos do governo de reduzir os custos bancários ao instituir uma nova lei de falências e implementar um registro eletrônico de garantias e o cadastro positivo. Além disso, avanços recentes na portabilidade aperfeiçoarão a intermediação financeira, e a nova regulamentação sobre as Fintech facilitará a entrada no mercado e estimulará a concorrência bancária. Apesar dessas melhorias, são necessárias mais ações para facilitar a mobilidade dos clientes, como, por exemplo, o aumento da transparência e a facilitação da comparação entre os produtos financeiros.
A abertura comercial e o investimento em infraestrutura são necessários. O Brasil continua a ser uma economia fechada, em relação aos demais países do G-20, tendo, portanto, muito a evoluir no que diz respeito à integração intra- e inter-regional. Nesse contexto, os recentes avanços na facilitação do comércio e o progresso na conclusão de novos acordos comerciais são bem‑vindos. Além disso, a infraestrutura e a competitividade do Brasil são inferiores às dos seus concorrentes comerciais, o que ressalta a necessidade de avançar na implementação do Programa de Parcerias de Investimentos, mas sem perder de vista os riscos fiscais.
A implementação eficaz de medidas para combater a lavagem de dinheiro e a corrupção são de suma importância. O governo continua a obter bons resultados nos seus esforços para processar casos importantes de lavagem de dinheiro e corrupção, com o respaldo de um judiciário forte e independente. Esses esforços são apoiados por mudanças na legislação e na jurisprudência destinadas a aumentar a eficiência do quadro jurídico, embora uma avaliação de risco nacional ainda não tenha sido concluída. O governo deve continuar a se concentrar na prevenção, inclusive com medidas para exigir a prestação de informações sobre os beneficiários efetivos, reforçar ainda mais a supervisão do setor financeiro baseada no risco, promover o intercâmbio de informações financeiras e tributárias entre as autoridades competentes e aumentar a transparência do governo por meio do Portal da Transparência.
A missão agradece às autoridades e aos demais envolvidos pelas excelentes discussões.
Departamento de Comunicação do FMI
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