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Os países pobres e vulneráveis precisam de apoio para se adaptarem às mudanças climáticas

Por Kristalina Georgieva, Vítor Gaspar e Ceyla Pazarbasioglu

Os países mais pobres enfrentam os maiores riscos em decorrência das mudanças climáticas e necessitam de apoio internacional para financiar a adaptação.

Todos os países, ricos e pobres, precisam se adaptar às mudanças climáticas. Um relatório recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas destacou as consequências drásticas de não conseguirmos conter o aumento da temperatura global e nos adaptarmos a um planeta mais quente. Nessa adaptação, deve-se abordar os riscos das mudanças climáticas e de condições climáticas extremas, por exemplo, protegendo a agricultura, administrando o impacto da elevação do nível do mar e tornando a infraestrutura mais resiliente.

Às vezes é difícil estimar os benefícios da adaptação porque dependem de fatores específicos, como até que ponto cada país está adaptado ao clima atual. No entanto, políticas bem formuladas podem gerar grandes retornos, como mostramos em três artigos publicados hoje sobre a adaptação climática e a política fiscal, as implicações macrofiscais e a incorporação da adaptação climática ao planejamento fiscal.

A economia de longo prazo decorrente de investimentos em mecanismos de resiliência e enfrentamento — como a melhoria da irrigação, melhores variedades de sementes, o fortalecimento dos sistemas de saúde e a ampliação do acesso a financiamento e às telecomunicações — pode ser bastante significativa. Isso é válido especialmente no caso da África Subsaariana, região onde ocorre um terço das secas do mundo e que é particularmente vulnerável ao aumento da temperatura e a condições climáticas extremas devido à dependência da agricultura irrigada pelas chuvas. Nossos estudos mostram que uma única seca pode reduzir em 1 ponto percentual o potencial de crescimento econômico a médio prazo de um país africano.

Na Etiópia, porém, o rendimento de alguns agricultores cresceu até 40% com o desenvolvimento de variedades de trigo resistentes à ferrugem, uma doença fúngica. Já em Gana,  os produtores de cacau tornaram suas culturas mais resistentes à seca com sementes e irrigação melhoradas e com o plantio de árvores para proteger os cacaueiros do sol.

Os benefícios de investir na adaptação não se limitam à África Subsaariana: países de todas as regiões do mundo podem se beneficiar da adaptação ao aquecimento do planeta. Contudo, isso não significa que a adaptação possa substituir a mitigação. Sem uma forte mitigação, será impossível estabilizar a temperatura mundial, e a adaptação se tornará cara demais.

Custos assustadores

Alguns países já enfrentam custos assustadores. Estudos do FMI e de outras fontes sugerem que os custos da adaptação pública chegarão a cerca de 0,25% do produto interno bruto mundial por ano nas próximas décadas. Embora essas estimativas possam parecer viáveis em escala global, não representam a magnitude do desafio enfrentado por muitos países pobres e vulneráveis. Estimamos que as necessidades anuais superem 1% do PIB em cerca de 50 economias de baixa renda e em desenvolvimento nos próximos 10 anos. Os custos podem ser ainda maiores no caso dos pequenos países insulares expostos a ciclones tropicais e à elevação do nível do mar, chegando a até 20% do PIB.

Infelizmente, os países que mais precisam se adaptar muitas vezes são os que mais carecem dos meios para fazê-lo. Em geral não dispõem de financiamento nem da capacidade institucional para implementar os programas de adaptação necessários. Além disso, alguns países mais expostos a ondas de calor, secas, tempestades e à elevação do nível do mar não raro enfrentam outras necessidades de desenvolvimento urgentes. Isso significa que é mais importante do que nunca investir no crescimento resiliente, com a adaptação plenamente integrada a outros objetivos de desenvolvimento sustentável.

Custos desiguais das mudanças climáticas

A comunidade internacional pode ajudar os países pobres e vulneráveis a se adaptarem, oferecendo apoio financeiro e desenvolvendo a capacidade institucional. Esses países sofrerão os impactos mais devastadores das mudanças climáticas, embora não sejam seus causadores. Também é do interesse do planeta zelar para que as mudanças climáticas não comprometam o desenvolvimento e a estabilidade nos países mais pobres. Investir na resiliência climática também pode ser financeiramente eficiente para os parceiros de desenvolvimento porque o investimento inicial em proteção pode ser menos dispendioso do que a ajuda humanitária e a reconstrução após um desastre.

Para render frutos, o apoio à adaptação deve complementar a ajuda já existente, com uma condicionalidade simplificada, compatível com a capacidade institucional dos países. Por exemplo, observamos que requisitos longos e complexos impediram o acesso direto dos países das ilhas do Pacífico aos fundos climáticos internacionais.

Como o FMI está ajudando

Os três relatórios que estão sendo lançados hoje são um exemplo de como o FMI está ajudando os países membros a enfrentar os desafios da adaptação. Os relatórios complementam e apoiam o trabalho do Banco Mundial, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e de outras organizações internacionais e se baseiam nos estudos em curso no FMI.

Esse trabalho abrange análises dos desafios regionais e nacionais na adaptação às mudanças climáticas em nossas consultas anuais no âmbito do Artigo IV (por exemplo, com as Maldivas, a República do Congo e Dominica) e em estudos transversais (sobre a África Subsaariana, as Américas e a Ásia e o Pacífico).

O FMI também está ajudando ao ampliar seu apoio ao desenvolvimento de capacidades, que agora abrange programas de avaliação macroeconômica climática, avaliações da gestão de investimentos públicos com foco no clima e gestão verde das finanças públicas.

Por último, estamos trabalhando com os países membros e parceiros para desenvolver soluções de financiamento, como o Fundo Fiduciário para a Resiliência e Sustentabilidade, proposto para canalizar recursos financeiros de países com posições externas sólidas para financiamentos de longo prazo acessíveis em prol de países vulneráveis. Isso ajudará os beneficiários a enfrentar desafios estruturais, como as mudanças climáticas, por meio de reformas de políticas para promover a estabilidade do balanço de pagamentos.

A adaptação climática por si só não basta. A menos que a temperatura do planeta seja estabilizada graças a um grande esforço de mitigação, a adaptação se tornará cara demais. Ainda assim, os países podem obter grandes benefícios ao investir no crescimento resiliente e incorporar a adaptação às estratégias de desenvolvimento.

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Kristalina Georgieva (biografia no link)

Vítor Gaspar, cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial. Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Econômica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e atuou como Diretor-Geral de Estudos Econômicos do Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, onde cursou o pós-doutorado e recebeu o título de agregado (livre-docência), tendo também estudado na Universidade Católica Portuguesa.

Ceyla Pazarbasioglu é Diretora do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Nessa função, lidera o trabalho de direcionamento estratégico do FMI e de formulação, implementação e avaliação das políticas da instituição. Também supervisiona as interações do FMI com outros organismos internacionais, como o G-20 e as Nações Unidas.