Imagem: Rose Kouwenhoven/FMI Imagem: Rose Kouwenhoven/FMI

Um novo fundo fiduciário para ajudar os países a aumentar a resiliência e a sustentabilidade

Por Ceyla Pazarbasioglu e Uma Ramakrishnan

Mesmo enquanto os países continuam a enfrentar a crise da Covid-19, é crucial não ignorar o desafio de longo prazo de transformar as economias para que se tornem mais resistentes a choques e alcancem um crescimento sustentável e inclusivo. A pandemia nos ensinou que deixar de enfrentar esses desafios de longo prazo no momento oportuno pode ter consequências econômicas significativas, com a possibilidade de problemas futuros do balanço de pagamentos. A mudança climática é outro problema de longo prazo que ameaça a estabilidade macroeconômica e o crescimento em muitos países devido a desastres naturais e perturbações em setores econômicos, nos mercados de trabalho e nos fluxos comerciais, entre outros.

Estes são desafios de políticas públicas globais e, por isso, cada país e a comunidade internacional têm a responsabilidade compartilhada de tomar medidas oportunas. Em um blog anterior, explicamos como o FMI está considerando opções para canalizar parte dos US$ 650 bilhões em DES emitidos em agosto de 2021, de países com posições financeiras externas fortes para países vulneráveis, por meio de um Fundo Fiduciário para a Resiliência e Sustentabilidade (RST, na sigla em inglês). O objetivo central do RST é fornecer financiamento de longo prazo em condições acessíveis para que os países possam enfrentar seus desafios estruturais.

Continuamos a trabalhar no desenvolvimento do RST, e nossa concepção atual sobre as principais características do projeto – descritas a seguir – visa equilibrar as necessidades dos países que poderiam aportar recursos e dos países que solicitariam empréstimos. Com amplo apoio dos países membros e parceiros internacionais, esperamos que a Diretoria Executiva do FMI aprove a criação do novo Fundo Fiduciário antes das próximas Reuniões de Primavera, para que ele esteja em plena operação até o final do ano.

Principais características do projeto

Habilitação

Cerca de três quartos dos países membros do FMI poderiam satisfazer os critérios de habilitação para o financiamento do RST: todos os países de baixa renda, todos os pequenos Estados em desenvolvimento e vulneráveis e todos os países de renda média com RNB per capita inferior a 10 vezes o limite operacional de 2020 da IDA, ou cerca de US$ 12 mil.

Reformas qualificadas

O apoio do RST visa enfrentar desafios estruturais macrocríticos de longo prazo que criam riscos macroeconômicos significativos para a resiliência e sustentabilidade dos países membros, incluindo mudança climática, preparação para pandemias e digitalização. Dito isto, os empréstimos do FMI não se aplicam a todos os tipos de desafios estruturais de longo prazo. A capacidade de apoiar reformas em uma determinada área depende da disponibilidade e do acesso a diagnósticos consistentes e da capacidade de identificar prioridades de políticas e definir metas de reforma apropriadas. A apropriação pelo país e o forte compromisso das autoridades em realizar as reformas necessárias serão fundamentais para catalisar o tão necessário financiamento dos bancos multilaterais de desenvolvimento e do setor privado. Também é fundamental trabalhar em estreita coordenação com outras instituições relevantes, a fim de alavancar experiências e conhecimentos. O corpo técnico do FMI e do Banco Mundial trabalharam em conjunto para desenvolver um quadro de coordenação das operações do RST sobre riscos climáticos, aproveitando a experiência anterior no apoio a países com reformas estruturais. Nos próximos meses serão desenvolvidos quadros similares com instituições relevantes nesta e em outras áreas de reforma.

Qualificação

Para qualificar-se para o apoio do RST, um país membro habilitado precisará de: um pacote de medidas de política de alta qualidade consistente com o objetivo do RST, um programa financeiro ou não financeiro paralelo apoiado pelo FMI com políticas macroeconômicas apropriadas para mitigar riscos para mutuários e credores, um nível de dívida sustentável e capacidade de pagamento.

Condições de financiamento

Tal como o fundo fiduciário altamente concessional do FMI para países de baixa renda (PRGT), que atualmente aplica uma taxa de juros zero, o RST será constituído sob a alçada do FMI para administrar os recursos dos países contribuintes, o que permite condições mais flexíveis, sobretudo em termos de vencimentos, do que as que se aplicam aos recursos gerais da instituição. Tendo em conta a natureza de longo prazo dos riscos para o balanço de pagamentos que o RST busca tratar, seus empréstimos terão prazos muito mais longos do que os dos financiamentos tradicionais do FMI. Especificamente, o corpo técnico propôs um prazo de vencimento de 20 anos e um período de carência de 10 anos. Uma estrutura de juros escalonada servirá para diferenciar as condições de financiamento entre grupos de países, com um alto grau de concessionalidade para os países membros de baixa renda.

Acesso ao financiamento

O acesso ao financiamento do RST será determinado caso a caso, com base na solidez das reformas e sustentabilidade da dívida, e espera-se que seja limitado a 150% da cota do país no FMI ou DES 1 bilhão, o que for menor. Os empréstimos do RST serão parte de uma estratégia mais ampla de financiamento que os países membros adotariam para enfrentar riscos do balanço de pagamentos de longo prazo, envolvendo uma combinação de financiamento multilateral, oficial bilateral e privado.

Arquitetura financeira

Tal como no caso do PRGT, os recursos do RST seriam mobilizados voluntariamente dos países membros que desejem canalizar seus DES ou haveres em moedas em benefício de países mais pobres ou vulneráveis. A arquitetura financeira do RST é projetada para garantir que possam ser mobilizados recursos substanciais para empréstimos de baixo custo e longo prazo sem descuidar da segurança e liquidez dos créditos dos países que contribuírem para o Fundo Fiduciário, com base em um quadro de gestão de risco com múltiplos níveis que preserva a natureza de ativo de reserva dos DES canalizados. Para atender à demanda projetada, o RST precisa mobilizar inicialmente cerca de US$ 50 bilhões em recursos totais. O bom funcionamento de um mercado de negociação de DES asseguraria o êxito das operações do RST.

A colaboração é essencial para o sucesso

A mitigação dos riscos econômicos derivados dos desafios estruturais de longo prazo requer uma abordagem coerente e deliberada, com forte compromisso dos formuladores de políticas para empreender reformas às vezes difíceis. E onde tal compromisso é evidente, a comunidade internacional pode ajudar com financiamento acessível, capacitação e assessoria em políticas. O RST apoiará tal esforço de colaboração. Aproveitaremos nossa experiência de trabalho com o Banco Mundial e outras instituições internacionais e bancos regionais de desenvolvimento, complementando seus empréstimos para oferecer o melhor apoio aos países membros.

O sucesso do novo fundo fiduciário também dependerá de outros fatores: países membros do FMI com economias mais fortes que se disponham a fornecer recursos significativos para ajudar outros países a melhorar a resiliência e sustentabilidade a longo prazo; tomadores dispostos a fazer um esforço extra para alcançar um ambiente macroeconômico e um quadro de reformas conducentes à melhoria da estabilidade do balanço de pagamentos; outras instituições financeiras internacionais que contribuam com sua experiência, conhecimentos e financiamento sempre que possível. Essas ações também ajudarão a mobilizar o investimento do setor privado.

Diante de uma série de desafios estruturais de longo prazo que exigem uma ação global, nunca foi tão importante apoiar todos os países para que enfrentem esses desafios em uma fase inicial e alcancem o crescimento sustentável. O RST pode ajudar a atingir este objetivo.

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Ceyla Pazarbasioglu é Diretora do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação (SPR) do FMI. Nessa função, lidera o trabalho de direcionamento estratégico do FMI e de formulação, implementação e avaliação das políticas da instituição. Também supervisiona as interações do FMI com outros organismos internacionais, como o G-20 e as Nações Unidas.

Uma Ramakrishnan é atualmente Subdiretora do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Lidera o trabalho do departamento sobre a política de empréstimos não concessionais. Desde que ingressou no FMI em 1998, trabalhou em diversos países da Ásia e do Pacífico, das Américas e do Oriente Médio, inclusive como chefe de missão na Jamaica e no Egito. Também tem ampla experiência na análise das políticas de empréstimos do FMI e no trabalho da instituição em situações de crise.