O início de um novo ano é, muitas vezes, um momento de reflexão e ponderação. À medida que a pandemia entra no terceiro ano, tem sido difícil dissipar a apreensão sobre a crise sanitária e as incertezas económicas associadas.
Assim, para aqueles que esperam recuperar o otimismo, tenho uma recomendação simples:
Pensem em África
No início de dezembro estive na região – pela primeira vez desde o surto da Covid-19 – e tive a oportunidade de visitar o Senegal e a República Democrática do Congo. Testemunhei em primeira mão a criatividade, a energia e o espírito empreendedor aos quais a região está a recorrer para superar esta crise.
A minha visita ao Instituto Pasteur em Dakar, em especial, foi uma fonte de inspiração. O Instituto já é líder mundial no combate a doenças infeciosas, tendo atraído e formado especialistas internacionais e regionais. Agora, as equipas do Instituto estão na linha da frente da resposta ao desafio imediato da Covid-19 em África. Estão também a reforçar a capacidade da região para combater pandemias futuras e satisfazer as necessidades de vacinação mais rotineiras de África.
É fundamental que a região tenha as ferramentas e os fundos necessários para desenvolver a capacidade de produção e fabrico de vacinas. Esta necessidade é especialmente premente tendo em conta que a taxa de vacinação contra a Covid-19 em todo o continente ainda está abaixo de 10%. Com África a enfrentar a quarta vaga de infeções, o surgimento da variante ómicron é apenas mais um sinal de que a capacidade da região dotar-se dos meios para combater esta pandemia e dar resposta às futuras necessidades de cuidados de saúde tem implicações à escala mundial.
Satisfazer as necessidades do presente
Não obstante os impressionantes esforços do Instituto Pasteur, África ainda depende, por enquanto, das importações e donativos de vacinas contra a Covid-19. A prioridade mais imediata é assegurar a previsibilidade das entregas de vacinas, por meio, por exemplo, da iniciativa COVAX e do Mecanismo de Aquisição de Vacinas da União Africana (AVAT). Também será necessário financiamento para garantir que os sistemas de saúde africanos consigam vacinar a população local, sem demora, assim que receberem as vacinas, com esforços de sensibilização para reiterar a importância da imunização e reduzir a desinformação e a hesitação em torno das vacinas. Para além das vacinas, a região precisa de ter acesso a testes, tratamentos e equipamentos de proteção.
O ano passado, o FMI propôs um plano para colocar um fim à pandemia, mediante a vacinação de 40% da população de todos os países do mundo até ao final de 2021 e 70% até meados de 2022. Os progressos têm sido notáveis, mas o mundo tem de fazer mais e melhor. A distribuição de vacinas e de outras ferramentas continua a decorrer a duas velocidades alarmantemente diferentes. Em África, por exemplo, apenas sete países atingiram a meta de 40% em 2021 e, para muitos, a meta de 70% parece cada vez mais ambiciosa.
Tudo isto irá exigir um maior nível de cooperação e apoio por parte da comunidade internacional. Por exemplo, colmatar o défice de financiamento de 23 mil milhões de dólares do Acelerador de Acesso às Ferramentas contra a Covid-19 (ACT) seria um primeiro passo bem-vindo, uma vez que uma parte considerável desta iniciativa destina se a África. E os progressos com vista à igualdade no acesso às vacinas não se resumem a resolver as questões relacionadas com o fornecimento dos imunizantes; os países também precisam de mais apoio para reforçar a distribuição no “quilómetro final”.
Deve ficar claro que este apoio internacional não se trata de caridade. Trata-se de um bem público mundial! E como todos já sabemos, ninguém está seguro até que todos estejam seguros.
Desenvolver a resiliência para o futuro
Contudo, não devemos deixar que os esforços para atender às necessidades urgentes sejam feitos às custas das necessidades futuras. O reforço da resiliência para o futuro também constitui uma prioridade – incluindo a capacidade da região de bastar-se a si própria contra a Covid 19 ou qualquer outra doença que possa surgir no futuro. A título de exemplo, sem fornecimentos previsíveis e fiáveis de vacinas, as autoridades de saúde são muitas vezes forçadas a tomar decisões imediatas e aceitar doses com prazos de validade curtos, o que complica bastante as logísticas de distribuição em sistemas de saúde já no limite. Em suma, a verdadeira resiliência em África não pode depender da contínua generosidade da comunidade internacional. Requer a expansão da capacidade de produção a nível local e o reforço das cadeias de abastecimento regionais.
É necessário – bem como é viável – que África vacine África.
O fabrico de vacinas é uma empreitada sofisticada que requer equipamento, insumos e instalações de armazenamento especializadas, bem como mão de obra qualificada. Mas se alguém disser que isto não pode ser feito em África é porque não tem estado a prestar atenção.
O trabalho do Instituto Pasteur em Dakar oferece um olhar sobre as ambições da região no que toca ao esforço mundial contra a doença. Com assistência financeira dos Estados Unidos, da União Europeia e de fundações internacionais, juntamente com uma criteriosa utilização de parte da recente alocação de DSE do Senegal, já está em curso a construção de uma nova unidade de fabrico. Quando estiver concluída, será uma das primeiras fábricas de ciclo completo no continente e uma componente potencialmente fundamental no fornecimento de vacinas contra a Covid-19 e de outras vacinas no continente africano.
O Instituto está longe de ser o único centro de excelência na região: faz parte de uma notável comunidade sanitária e científica do continente africano que está a contribuir de forma inestimável para a saúde mundial – incluindo, mais recentemente, através da descoberta e da sequenciação da variante ómicron. Atualmente, existem 12 unidades de produção, em funcionamento ou em projeto, em seis países africanos – África do Sul, Argélia, Egito, Marrocos, Ruanda e Senegal – que deverão produzir uma ampla variedade de vacinas contra a Covid-19.
Bem público mundial
À medida que entramos no novo ano, é cada vez mais evidente que a capacidade de produção de vacinas em África, de forma robusta e fiável, é um bem público mundial, que merece o apoio mundial. Na crise atual ou em pandemias futuras, todos estamos interessados no êxito de África.
Não tenho dúvidas de que África está à altura do desafio. Mas a comunidade internacional pode – e deve – ajudar, intensificando a colaboração transfronteiriça no domínio da ciência e incentivando a transferência de tecnologia para diversificar melhor a produção de vacinas e outras ferramentas médicas que salvam vidas.
Louis Pasteur disse: “A ciência não conhece fronteiras, porque o conhecimento pertence à humanidade e é a chama que ilumina o mundo”. A sabedoria da visão de Pasteur é mais evidente do que nunca. Agora todos temos de desempenhar o nosso papel para garantir que os frutos do conhecimento são partilhados, de forma célere e justa, para o bem da humanidade.
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Kristalina Georgieva (biografia na ligação)
1. A meta original era de 60% até meados de 2022, mas foi elevada para 70% devido à maior virulência das novas variantes.