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O fantasma da inflação em meio a uma recuperação imprevisível

Francesca Caselli e Prachi Mishra
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Uma questão chave é qual combinação de eventos poderia causar altas de preços persistentemente mais rápidas

Este ano, a recuperação econômica levou a uma rápida aceleração da inflação nas economias avançadas e de mercados emergentes, impulsionada pelo aquecimento da demanda, escassez de oferta e alta acelerada dos preços das commodities.

Na nova edição do World Economic Outlook, prevemos que a inflação se manterá elevada nos próximos meses, antes de retornar aos níveis anteriores à pandemia em meados de 2022, embora persistam riscos de aceleração.

A boa notícia para as autoridades econômicas é que as expectativas inflacionárias de longo prazo estão bem ancoradas, mas os economistas ainda discordam quanto à duração das pressões de alta sobre os preços.

Alguns afirmaram que os estímulos do governo podem derrubar as taxas de desemprego o suficiente para gerar aumento de salários e superaquecer as economias, possivelmente desancorando as expectativas e resultando na previsão autorrealizável de uma espiral inflacionária. Outros estimam que as pressões acabarão por se mostrar transitórias, conforme o aumento episódico dos gastos se dissipe.

Dinâmica da inflação e recuperação da demanda

Avaliamos se o índice geral de preços ao consumidor acompanhou o movimento do desemprego. Estimar essa relação durante uma pandemia envolve diversos desafios, mas esse distúrbio sem precedentes não parece tê-la alterado substancialmente.

É provável que as economias avançadas enfrentem pressões inflacionárias moderadas no curto prazo, com o abrandamento do impacto ao longo do tempo. Nos mercados emergentes, as estimativas da relação entre a capacidade ociosa – o volume de recursos de uma economia que não estão sendo utilizados – e a inflação parecem ser mais sensíveis à inclusão do período da pandemia na amostra.

Ancorar as expectativas

A inflação manteve-se bem ancorada durante a pandemia, segundo as medidas das expectativas de longo prazo conhecidas como taxas de equilíbrio, obtidas a partir dos títulos públicos de 14 países. Esses indicadores são acompanhados atentamente e mantiveram-se estáveis tanto durante a crise quanto durante a recuperação, embora persistam incertezas em relação às perspectivas.

Uma questão chave é qual combinação de condições causaria uma alta persistente na inflação, inclusive com a possibilidade de que as expectativas fiquem desancoradas e ajudem a desencadear uma espiral autorrealizável de alta dos preços.

No passado, tais episódios estiveram associados a fortes desvalorizações cambiais em mercados emergentes, muitas vezes após aumentos súbitos nos déficits fiscais e em transações correntes. Compromissos de gastos públicos de prazo mais longo e choques externos também podem contribuir para desancorar as expectativas, sobretudo em economias onde se considera que o banco central não é capaz ou não está disposto a conter a inflação.

Além disso, mesmo quando as expectativas estão bem ancoradas, o descumprimento prolongado da meta de inflação definida pela autoridade monetária pode conduzir à desancoragem.

Choques setoriais

A pandemia ocasionou grandes movimentos de preços em alguns setores, com destaque para alimentos, transportes, vestuário e comunicações. É surpreendente que, pelos padrões históricos recentes, a dispersão ou variabilidade de preços entre os setores tem permanecido relativamente contida até o momento, especialmente se comparada com a crise financeira mundial. O motivo é que as oscilações nos preços de combustíveis, alimentos e imóveis residenciais – os três maiores componentes das cestas de consumo – têm sido, em média, relativamente menores e de curta duração após a pandemia.

Variabilidade da inflação entre os setores

A nossa previsão é que nas economias avançadas a inflação atinja, em média, um pico de 3,6% nos últimos meses deste ano, antes de reverter para 2,0% no primeiro semestre de 2022, em linha com as metas dos bancos centrais. Os mercados emergentes terão aumentos maiores, atingindo a média de 6,8% e em seguida recuando para 4%.

Contudo, as projeções envolvem uma incerteza considerável, e a inflação pode continuar alta por mais tempo. Os fatores que contribuiriam para isso incluem a disparada dos preços dos imóveis residenciais, a prolongada escassez de oferta nas economias avançadas e em desenvolvimento, a pressão sobre os preços dos alimentos e as desvalorizações cambiais nos mercados emergentes.

Em todo o mundo, os preços dos alimentos aumentaram cerca de 40% durante a pandemia, um desafio particularmente difícil para os países de baixa renda, onde esses itens representam uma parcela considerável dos gastos de consumo.

As simulações de diversos cenários extremos de risco mostram que os preços poderiam subir com muito mais rapidez em caso de interrupções continuadas na cadeia de suprimentos, grandes oscilações nos preços das commodities e desancoragem das expectativas.

Cenários de risco de inflação nas economias avançadas

Implicações para a política econômica

Quando as expectativas perdem sua âncora, a inflação pode decolar rapidamente, e pode ser dispendioso retomar o controle. Em última análise, é difícil definir com precisão o grau de credibilidade das políticas do banco central e as expectativas de preços, e não se pode avaliar a ancoragem exclusivamente com base em relações nos dados históricos.

Dessa forma, as autoridades devem buscar um equilíbrio delicado entre manter uma postura paciente enquanto continuam a apoiar a recuperação e estar preparadas para agir rapidamente. Ainda mais importante, devem implantar quadros monetários sólidos, com a definição do ponto em que o apoio à economia seria reduzido para conter a inflação indesejada.

Este patamar para a ação poderia incluir sinais precoces de desancoragem das expectativas de inflação, como pesquisas prospectivas, saldos insustentáveis nas contas fiscais ou em transações correntes ou oscilações bruscas da moeda.

Estudos de caso mostram que uma ação vigorosa de política econômica costuma conter a inflação e suas expectativas e que comunicações ponderadas e confiáveis do banco central também desempenham um papel fundamental na ancoragem das expectativas. As autoridades devem estar atentas aos indícios de uma tempestade perfeita de riscos de preços que individualmente poderiam ser benignos, mas quando combinados podem levar a aumentos consideravelmente mais rápidos do que as projeções do FMI.

Por último, uma característica marcante das perspectivas é que existem diferenças significativas entre as diversas economias. Por exemplo, projeta-se que uma inflação mais rápida nos EUA ajude a impulsionar uma aceleração nas economias avançadas, enquanto as pressões na área do euro e no Japão devem continuar relativamente baixas.

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Francesca Caselli é Economista na Divisão de Estudos Econômicos Internacionais do Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, trabalhou no Departamento da Europa. Suas análises se concentram na econometria aplicada, economia internacional e comércio exterior. É Doutora em Economia Internacional pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra.

Prachi Mishra é Assessora no Departamento de Estudos do FMI. Antes de ingressar no FMI, trabalhou no Goldman Sachs como Diretora Gerente de Pesquisa Macroeconômica Global e Economista Chefe para a Índia. Anteriormente, trabalhou em diversos departamentos do FMI em Washington, inclusive no Gabinete do Primeiro Subdiretor-Geral. De 2014 a 2017, atuou como Assessora Especializada e Chefe da Unidade de Estudos Estratégicos do Banco da Reserva da Índia. Antes disso, foi Economista Sênior no Gabinete do Assessor Econômico Chefe do Ministério das Finanças da Índia e no Conselho Consultivo Econômico do Primeiro Ministro do país.