Coloque-se no lugar de uma autoridade pública na África Subsaariana. Sua responsabilidade é tirar o país da pior crise sanitária de que se tem lembrança, e ninguém ao seu redor sabe quando ela acabará – a segunda onda que se abateu sobre a região no início do ano arrefeceu, mas muitos países se preparam para novas ondas à medida que o inverno se aproxima.
Uma boa notícia é que a recuperação global está bem encaminhada. As principais economias estão em franca aceleração, o comércio mundial recobrou impulso, os preços dos produtos primários estão em alta e os fluxos de investimento foram retomados.
A má notícia é que, pelo menos no caso da África Subsaariana, as perspectivas de crescimento no curto prazo são um pouco mais moderadas. E enquanto a vacinação generalizada estiver fora do alcance, será preciso enfrentar a tarefa nada invejável de tentar estimular a economia e, ao mesmo tempo, lidar com os repetidos surtos de Covid-19 à medida que eles surgirem.
Os três desafios
Esta é a situação com que muitos ministros das Finanças na África Subsaariana se deparam atualmente. E eles enfrentam três desafios imediatos: primeiro, fazer face ao aumento das necessidades de gastos; segundo, conter uma elevação pronunciada da dívida pública e, terceiro, mobilizar mais receitas tributárias.
A forma como as autoridades resolverão este trilema terá um impacto enorme sobre os resultados econômicos e sociais nos próximos anos.
É necessário buscar um equilíbrio incrivelmente difícil, pois os esforços para abordar um elemento inevitavelmente afetarão os outros dois. Elevar os gastos, por exemplo, exigirá que as autoridades contraiam mais dívidas ou aumentem os impostos. Ou as duas coisas. Por outro lado, o esforço para expandir a receita tributária – embora constitua um desafio do ponto de vista político e social – produziria os recursos indispensáveis para ampliar os gastos ou conter a dívida. Ou ambos.
Demanda por gastos públicos
Mesmo antes da crise causada pelo coronavírus, e no contexto do rápido crescimento populacional, as necessidades de desenvolvimento da África Subsaariana já eram colossais.
Na sequência da crise, os avanços da região rumo ao desenvolvimento sofreram um recuo de quase uma década, tornando essas necessidades ainda mais urgentes. Por exemplo, o emprego na região diminuiu cerca de 8,5% em 2020 em decorrência da Covid‑19. Mais de 32 milhões de pessoas caíram na pobreza, e os transtornos na educação comprometeram as perspectivas de toda uma geração de crianças em idade escolar.
Além disso, uma grande proporção dos trabalhadores mais marginalizados da região estava concentrada em alguns dos setores mais duramente atingidos, o que agravou a desigualdade.
Neste contexto, é compreensível que a demanda pela elevação dos gastos sociais, bem como por investimentos em saúde, educação e infraestrutura, tenha se intensificado. E a pressão só vai aumentar, pois, até 2030, quase uma de cada duas pessoas a ingressar na força de trabalho mundial virá da África Subsaariana.
Cresce a preocupação com a dívida
A situação varia entre os países, mas a dívida pública na África Subsaariana aumentou para quase 58% do PIB em 2020 – o nível mais alto em quase 20 anos e um salto superior a 6 pontos percentuais em apenas um ano.
Embora em muitos casos a dívida esteja abaixo dos picos do início da década de 2000, ela ainda gera preocupação, devido ao aumento constante da carga de juros.
Em 2020, por exemplo, os pagamentos de juros atingiram o nível preocupante de 20% da receita tributária da região no seu conjunto e superaram um terço da receita em vários casos, desviando os recursos escassos que seriam destinados a necessidades sociais e de desenvolvimento cruciais.
Progresso limitado na arrecadação de receitas tributárias
O aumento da mobilização de receita tributária costuma ser a principal ferramenta de política para preencher a lacuna entre as pressões de gastos e a sustentabilidade da dívida pública. Mesmo assim, o avanço nesta área tem sido lento de modo geral. As necessidades específicas em termos de mobilização variam de país para país – em alguns, o foco precisa recair sobre a racionalização das isenções; em outros, a resposta poderia ser o aumento da eficiência do sistema tributário.
Porém, em quase todos os casos, aumentar impostos é politicamente difícil, ainda mais nas circunstâncias atuais, pois a crise deixou muitas empresas e famílias com menos recursos. De fato, em alguns países, muitos dependeram da indulgência do fisco ou do adiamento do pagamento de impostos para garantir seu sustento até o final do ano.
Encontrar o equilíbrio certo
Nunca foi fácil pesar estas necessidades conflitantes. E a pandemia tornou ainda mais difícil encontrar a combinação certa. No entanto, não há espaço para a inação. Cada país enfrenta seu próprio conjunto de necessidades específicas e difíceis concessões, mas cada um deve procurar avançar da melhor maneira possível.
A comunidade internacional pode proporcionar um alívio inestimável. A necessidade imediata, naturalmente, é de apoio para garantir que cada país tenha acesso rápido e barato às vacinas. Em termos mais amplos, porém, a comunidade internacional pode fortalecer a recuperação regional ao fornecer recursos para ajudar a aliviar o trilema, mediante doações, financiamento concessional, a prorrogação da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida do G-20 ou, em alguns casos, o tratamento da dívida no âmbito do Quadro Comum .
Mas o principal esforço precisa vir de dentro da África Subsaariana. Reformas arrojadas e transformadoras são necessárias agora e com mais urgência do que nunca.
Para produzir uma recuperação mais robusta após a Covid-19, as autoridades precisam buscar oportunidades para expandir o que é possível dentro deste trilema. No lado dos gastos, por exemplo, reforçar a transparência e empreender reformas da governança são medidas que podem aumentar a eficiência dos gastos públicos e assegurar que os escassos recursos públicos ajudem as pessoas mais necessitadas.
Do lado da receita, essa maior transparência e o melhor direcionamento também estimulam o cumprimento das obrigações fiscais. Os esforços para melhorar a administração tributária, por exemplo, por meio de novas tecnologias digitais, podem ampliar a base tributária. De modo mais geral, as autoridades devem procurar mobilizar mais receitas de uma forma que proteja os mais vulneráveis e o crescimento.
Em relação à sustentabilidade da dívida, é preciso dispor de quadros fiscais de médio prazo para encontrar um equilíbrio entre o apoio necessário da política fiscal no curto prazo e a consolidação no médio prazo que será vital para conter os custos de endividamento e manter a confiança, sobretudo onde a dívida é elevada e o financiamento é restrito.
Para complementar estes esforços, as autoridades devem acelerar as reformas para promover a atividade do setor privado e a diversificação da economia, o que ajudará não apenas a elevar a resiliência e o potencial de crescimento, mas também a gerar empregos. Publicaremos em breve algumas análises sobre os benefícios de longo prazo de medidas destinadas a promover o investimento privado.
Em todas estas áreas, seja por meio do envolvimento na forma de programas, do financiamento de emergência, da assistência técnica ou simplesmente da assessoria em matéria de políticas, o FMI está pronto para ajudar.
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Abebe Aemro Selassie é Diretor do Departamento da África do FMI. Anteriormente, foi subdiretor deste departamento. No FMI, liderou as equipes de trabalho com Portugal e a África do Sul, bem como a elaboração do relatório Perspetivas económicas regionais: África Subsaariana . Trabalhou também com as equipes responsáveis pela Tailândia, Turquia e Polônia, bem como numa série de questões de políticas públicas. Entre 2006 e 2009, foi representante residente do FMI em Uganda. Antes de ingressar no FMI, trabalhou para o Governo da Etiópia.
Andrew Tiffin é economista sênior da Divisão de Estudos Regionais do Departamento da África do FMI. Desde que ingressou no FMI, trabalhou com uma série de países, como Ucrânia, Rússia, Romênia, Itália, Líbano e Jordânia. Esteve amplamente envolvido no processo de avaliação de riscos do FMI e em outras questões de políticas e, no momento, ocupa-se da aplicação de técnicas estatísticas modernas (aprendizagem de máquina) às análises do FMI. Antes de ingressar no FMI, trabalhou em questões de segurança e economia internacional no Gabinete de Avaliações Nacionais da Austrália. É doutor em Economia e mestre em Relações Internacionais, ambos pela Universidade de Princeton.