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Credit: NOOR KHAMIS

Financiar a recuperação dos países de baixa renda após a Covid-19

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Muitos dos países mais pobres do mundo estão enfrentando a ameaça de uma recuperação fraca e um retrocesso em sua trajetória de desenvolvimento. Em nosso estudo, estimamos que os países de baixa renda necessitarão de cerca de US$ 200 bilhões até 2025 para intensificar sua resposta à pandemia e mais US$ 250 bilhões para recuperar o terreno em relação às economias avançadas. Serão necessários outros US$ 100 bilhões se os riscos identificados no cenário de referência se materializarem. O atendimento destas necessidades exigirá uma resposta forte, coordenada e multifacetada.

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Vários fatores dificultam a recuperação econômica dos países de baixa renda. Primeiro, eles enfrentam um acesso desigual às vacinas. A maioria depende quase inteiramente do mecanismo multilateral COVAX – uma iniciativa global, liderada por um consórcio de organizações internacionais, que visa assegurar o acesso equitativo às vacinas. No momento, as vacinas disponibilizadas por meio da COVAX serão suficientes para cobrir apenas 20% da população dos países de baixa renda.

Segundo, esses países tiveram um espaço limitado para a aplicação de políticas em resposta à crise; eles carecem, em particular, de recursos para efetuar gastos adicionais (ver gráfico).

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Terceiro, as vulnerabilidades preexistentes, incluindo altos níveis de dívida pública em muitos desses países e um desempenho fraco, por vezes negativo, da produtividade total dos fatores, continuam sendo um entrave ao crescimento.


Necessidades de financiamento

Nosso estudo fornece uma estimativa das necessidades de financiamento nos próximos cinco anos para que os países de baixa renda saiam da pandemia e assegurem uma recuperação resiliente, superior ao que já está previsto no cenário de referência do World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional (FMI).

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Numa primeira etapa, estimamos o que será necessário para que os países de baixa renda possam aumentar seus gastos em resposta à Covid-19, inclusive para a vacinação, e recompor ou manter suas reservas. Nossa análise sugere que são necessários cerca de US$ 200 bilhões para alcançar esses objetivos.

Numa segunda etapa, estimamos o financiamento necessário para que esses países consigam acelerar a convergência com as economias avançadas. Concluímos que são necessários outros US$ 250 bilhões. Se os riscos identificados em um cenário adverso se materializarem, as necessidades de gastos aumentariam em mais US$ 100 bilhões.

Tendo em vista os níveis da dívida em muitos países de baixa renda, apenas uma parte destes gastos poderia ser financiada por meio de empréstimos. Entretanto, com o aumento do financiamento, esses países poderiam retomar sua trajetória pré-Covid-19 de convergência com as economias avançadas até 2025.

Uma resposta multifacetada

O atendimento dessas necessidades adicionais de financiamento exigirá uma resposta multifacetada, com três componentes principais. Primeiro, assegurar a recuperação plena dos países de baixa renda exigirá um apoio significativo da comunidade internacional. Será decisivo garantir a produção mundial adequada de vacinas e sua distribuição universal a preços acessíveis.

Ademais, será essencial mobilizar um pacote financeiro abrangente, incluindo donativos e financiamento concessional, além do alívio da dívida, sempre que necessário. O FMI e os bancos multilaterais de desenvolvimento desempenharão um papel fundamental nesse pacote.

Segundo, será necessária uma ambiciosa agenda de reformas internas para que os países de baixa renda estimulem a competitividade e o crescimento potencial. Esta agenda inclui a melhoria da governança e do clima de negócios, o aumento da mobilização de receitas internas, o desenvolvimento dos mercados financeiros nacionais e a melhoria da gestão econômica e financeira.

Por sua vez, essas reformas deverão estimular o terceiro componente da resposta multifacetada: fomentar o desenvolvimento do setor privado interno e o financiamento privado externo.

O FMI participará integralmente nessa resposta multifacetada e já lançou várias medidas de apoio para seus países membros de baixa renda:

  • Expansão do acesso a recursos concessionais no âmbito do Fundo Fiduciário para a Redução da Pobreza e o Crescimento , incluindo a ampliação do acesso ao financiamento de emergência. Entre março de 2020 e março de 2021, foram aprovados cerca de US$ 13 bilhões com destino a mais de 50 países de baixa renda. Atualmente, o FMI também está revisando seu quadro de concessão de empréstimos a países de baixa renda, além do aumento temporário dos limites de acesso.
  • Proposta para uma nova alocação de Direitos Especiais de Saque . É cada vez maior o apoio entre os países membros do FMI a uma possível alocação de DES de US$ 650 bilhões , que ajudaria a atender a necessidade global de ativos de reserva a longo prazo e proporcionaria um aumento substancial de liquidez a todos os países membros.
  • Alívio do serviço da dívida por meio do Fundo Fiduciário para Alívio e Contenção de Catástrofes para 29 países elegíveis. A recém-aprovada terceira parcela, cobrindo o período de abril a outubro de 2021, eleva o alívio total do serviço da dívida para US$ 740 milhões desde abril de 2020. Esse alívio cria espaço para que os países pobres ampliem os gastos em áreas prioritárias durante a pandemia.
  • Apoio a uma nova extensão da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI, na sigla em inglês) do G-20 até o final de dezembro de 2021. A DSSI concedeu US$ 5,7 bilhões em alívio do serviço da dívida para 43 países em 2020 e prevê-se que até junho de 2021 conceda até US$ 7,3 bilhões em suspensão adicional do serviço da dívida para 45 países.

As necessidades dos países mais pobres durante os próximos cinco anos serão bastante expressivas. Mas não são inalcançáveis. É preciso um pacote robusto, coordenado e abrangente, para assegurar uma recuperação rápida e a transição para um crescimento verde, digital e inclusivo e, assim, acelerar a convergência dos países de baixa renda com as economias avançadas.

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Guillaume Chabert , nascido em 1970, é diplomado pela École Centrale de Paris (a mais importante escola de engenharia do França), pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris e pela Escola Nacional de Administração (ENA). Em 2000, iniciou sua carreira profissional na Direção-Geral da Administração Local, no Ministério do Interior da França, antes de ingressar em 2004 na Direção-Geral do Tesouro do Ministério das Finanças da França, o Tesouro francês. Em 2010, foi nomeado Diretor de Projeto do G‑20, para chefiar a equipe de coordenação da presidência francesa deste grupo (e do G‑7/G‑8) no Tesouro francês em 2011. Após passar dois anos em Estocolmo, onde liderou o Departamento Regional de Assuntos Econômicos para os países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Islândia), em setembro de 2013 foi nomeado Assessor do Primeiro-Ministro da França, responsável pela Economia, Finanças e Negócios; em maio de 2014, foi nomeado Subchefe de Gabinete do Ministro das Finanças francês. Em abril de 2015, assumiu o cargo de Subsecretário para Assuntos Multilaterais, Comércio e Políticas de Desenvolvimento do Tesouro francês e Copresidente do Clube de Paris e Sub‑Sherpa Financeiro da França no G-20/G-7. Em janeiro de 2021, Guillaume Chabert assumiu seu atual cargo de Subdiretor no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI.

Robert Gregory é Subchefe de Unidade no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI, onde analisa a política de empréstimos. Anteriormente, atuou no Departamento da Europa, onde cobriu a Islândia e, antes disso, Marrocos e a Nigéria. Iniciou sua carreira na Accenture, tendo também atuado no Tesouro britânico e no Barclays Bank. Recentemente regressou ao FMI após um destacamento temporário no Governo britânico, onde analisou temas relacionados com a política comercial.

Gaëlle Pierre é economista sênior do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Desde que ingressou no FMI em 2013, publicou estudos sobre vários tópicos envolvendo a região do Oriente Médio e Ásia Central, incluindo o impacto macroeconômico do conflito e da crise dos refugiados, a massa salarial pública, a promoção do crescimento e da inclusão e as reformas de governança econômica em apoio ao crescimento inclusivo. Atualmente, faz parte da equipe de Moçambique, tendo coberto anteriormente a Argélia, o Irã e a Síria. Antes de ingressar no FMI, foi economista sênior no Banco Mundial, com foco em questões de mercado de trabalho e proteção social em países em desenvolvimento. Gaëlle Pierre já publicou artigos em periódicos especializados, publicações de renome e livros. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Warwick e tem mestrado em Economia pela London School of Economics.