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Um salto à frente nos pagamentos transfronteiriços

Para comprar um café, bastam alguns gestos: passar o cartão, tocar, acenar e, em breve, talvez piscar. A transação é fácil e rápida. No entanto, para efetuar o pagamento de importações ou enviar remessas, muitas vezes precisamos preencher formulários, aguardar vários dias e arcar com um alto custo – é complicado demais.

Os avanços nos pagamentos transfronteiriços vinham ocorrendo lentamente, mas agora estão prestes a alçar voo. É assim que a história evolui: um pequeno passo de cada vez, até que de repente dá-se um grande salto. Graças à confluência de novas tecnologias e à determinação renovada das autoridades, já é possível realizar melhorias significativas. Enquanto isso, as famílias e empresas esperam (e exigem) melhores serviços.

Muita coisa está em jogo. Mudanças nos pagamentos transfronteiriços afetam a estabilidade do sistema monetário internacional, a inclusão financeira e a eficácia do comércio e dos mercados financeiros. Além disso, as reformas podem desencadear inovações e o tão necessário crescimento, especialmente após a crise da COVID-19. Mas um salto à frente só será possível se o mundo trabalhar em conjunto.

E isso está ocorrendo, de uma forma excepcional. Um roteiro para a melhoria decisiva dos pagamentos transfronteiriços, liderado pelo Conselho de Estabilidade Financeira, juntamente com um amplo conjunto de instituições, como o FMI, acaba de ser endossado pelo G-20. Não se trata de mais um relatório, e sim de um conjunto de reformas concretas, medidas práticas e marcos que certas instituições específicas serão responsáveis por implementar. E o FMI publicou recentemente um documento de seu corpo técnico sobre as implicações macrofinanceiras das novas formas de dinheiro digital disponíveis através das fronteiras. Juntos, esses documentos traçam um caminho claro para o futuro, tendo em mente os desafios que estão por vir. Se forem implementadas , as reformas têm um potencial transformador, tornando os pagamentos transfronteiriços mais baratos, rápidos, transparentes e amplamente acessíveis.

A próxima etapa

A cooperação internacional nos trouxe até aqui, mas agora começa a etapa mais importante: colocar em prática o roteiro do G-20 e, talvez, ir além. Especificamente, precisamos de cooperação em quatro grandes áreas para garantir pagamentos transfronteiriços mais eficazes, sustentáveis, seguros e equitativos.

Em primeiro lugar, as soluções para esses pagamentos devem ser concebidas e aplicadas levando-se em conta todos os países. Há enormes diferenças entre os países em termos de capacidade de implementação, infraestrutura existente e desenvolvimento do setor financeiro. Essa diversidade implica também diferentes tipos de usuários: grandes empresas que operam em mercados com menos liquidez, pequenas e médias empresas sempre atentas aos custos e um bilhão de pessoas que enviam e recebem remessas (a um custo médio de 7%, ainda o dobro da meta definida pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas).

O roteiro do G-20 é flexível o suficiente, levando em conta essa diversidade de necessidades. Algumas soluções envolvem a melhoria dos sistemas existentes, como a criação de identidades digitais confiáveis, o que é essencial para a inclusão financeira. Outras são mais exploratórias e consideram um mundo em que podemos negociar livremente as moedas digitais através das fronteiras, assim como hoje enviamos e-mails. É essencial que todas essas soluções continuem sendo consideradas, discutidas, testadas e, às vezes, descartadas, com uma mente aberta.

Em segundo lugar, a cooperação é essencial para vencer a inércia dos países e assegurar que as soluções sejam amplamente aplicáveis. Um exemplo simples é o horário de funcionamento dos sistemas de liquidação: as transações só podem ser liquidadas em tempo real quando os dois países envolvidos estendem seus horários para que coincidam, mas nenhum país quer agir sozinho. E ainda é preciso garantir que os dois sistemas se comuniquem, já que a interoperabilidade não é algo dado: exige a padronização básica da tecnologia, do design, das leis e da regulamentação. A cooperação garantiria o atendimento das necessidades de uma grande comunidade, que o FMI pode ajudar a congregar.

Em terceiro lugar, a cooperação é fundamental para criar soluções que saibam tirar proveito da experiência e da perspectiva de todos os atores relevantes, como bancos centrais, reguladores, ministérios das finanças, órgãos antitruste, agências de proteção de dados e organizações internacionais. O relatório do Conselho de Estabilidade Financeira foi exemplar nesse sentido. Além disso, deve haver cooperação entre os setores público e privado, reconhecendo-se os pontos fortes de cada um: empresas privadas para inovar e interagir com os usuários; o setor público para regulamentar, supervisionar e, em última análise, garantir a confiabilidade do sistema. Sempre que possível, devem ser exploradas soluções público-privadas.

Por último, cooperar significa reconhecer os efeitos macrofinanceiros que as políticas de um país podem ter sobre os outros. Novas formas de dinheiro digital emitidas nas principais moedas de reserva, por exemplo, poderiam melhorar os pagamentos nacionais e internacionais. Contudo, poderiam também levar cidadãos no exterior a evitarem as moedas de seus países de origem, especialmente em países com inflação alta e taxas de câmbio voláteis. Esses países poderiam acabar experimentando maior volatilidade nas entradas de capital e nos balanços dos bancos centrais. Além disso, o dinheiro digital poderia acabar facilitando uma corrida aos bancos e a saída maciça de recursos. E ainda não está claro se as restrições às contas de capitais, adotadas por muitos países, podem ser redefinidas de modo a não serem burladas pelo uso de dinheiro digital. Por fim, o dinheiro digital pode gerar riscos significativos à integridade financeira. Esses e outros cenários são analisados a fundo em nosso novo documento.

Vínculos globais

Política monetária, estabilidade financeira, fluxos de capital, reservas internacionais – tudo isso pode ser afetado pelas transformações nos pagamentos transfronteiriços, com implicações para o sistema monetário internacional. Os membros fundadores do FMI compreendiam esse vínculo, que, em certa medida, fundamenta a visão de “auxiliar a estabelecer um sistema multilateral de pagamentos”, tal como expressa no Convênio Constitutivo.

Hoje, o FMI continua a desempenhar um papel ativo nesse campo, trabalhando lado a lado com outras organizações internacionais. O caráter quase universal do FMI pode ajudar a garantir que a revolução digital beneficie as pessoas em todos os países; nossa perspectiva global pode ajudar a reconhecer suas repercussões, bem como proporcionar um fórum comum para abordar os dilemas fundamentais das políticas. Sigamos juntos por esse caminho promissor.

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Kristalina Georgieva

Tobias Adrian é o Conselheiro Financeiro e Diretor do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais do FMI. Nessa função, dirige o trabalho do FMI relacionado com a supervisão do setor financeiro, as políticas monetária e macroprudencial, a regulação financeira, a gestão da dívida e os mercados de capitais. Além disso, supervisiona as atividades de fortalecimento das capacidades nos países membros do FMI. Antes de ingressar no FMI, foi Vice-Presidente Sênior do Federal Reserve Bank de Nova York e Diretor Adjunto do Grupo de Estudos e Estatística.

Tobias Adrian lecionou na Universidade de Princeton e na Universidade de Nova York e é autor de numerosos artigos em publicações especializadas de economia e finanças, como American Economic Review,Journal of Finance, Journal of Financial Economics e Review of Financial Studies. Tem um doutorado do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um mestrado da London School of Economics, um diploma da Universidade Goethe de Frankfurt e um mestrado da Universidade Dauphine de Paris. Recebeu seu diploma de bacharelado (Abitur) em Literatura e Matemática da Humboldtschule Bad Homburg.