Diante de uma incerteza sem precedentes e do grave impacto econômico desencadeado pela COVID-19, o FMI continua a adaptar seus instrumentos de concessão de crédito. Ao mesmo tempo, busca garantir metas realistas, manter a credibilidade dos programas e estimular a apropriação nacional dos programas.
Até o momento, o FMI já concedeu assistência financeira a cerca de 80 países, principalmente na forma de empréstimos emergenciais e instrumentos de crédito preventivo.
Além disso, mais de 30 países manifestaram interesse em programas apoiados pelo FMI para reconstruir suas redes de proteção financeira e lidar com as consequências imediatas da pandemia.
Para ajudar os países membros a enfrentar uma pandemia como esta, sem paralelos neste século, os programas de crédito do FMI estão se adaptando – por meio da inovação e de mais flexibilidade – à medida que os países passam da fase inicial de contenção para a estabilização e, mais à frente, a retomada.
O foco no curto prazo: a estabilização macroeconômica
No curto prazo, os programas apoiados pelo FMI têm como objetivo principal a estabilização da economia, o que inclui a definição de prioridades de gastos (por exemplo, em saúde e outras áreas sociais, bem como o apoio à liquidez e à renda das empresas e famílias mais afetadas). A política monetária deve ser o mais acomodatícia possível e, ao mesmo tempo, estar atenta aos riscos inflacionários, enquanto a política para o setor financeiro deve procurar evitar uma crise de crédito e manter a solidez dos balanços.
Contudo, as políticas convencionais, por si sós, talvez não sejam suficientes. Em algumas circunstâncias, podem ser consideradas outras medidas. Uma opção seria utilizar ao máximo a flexibilidade embutida no quadro regulatório existente; é possível também que haja mais espaço para a aplicação de políticas monetárias não convencionais. No entanto, algumas medidas — como o financiamento monetário do orçamento — podem comprometer os árduos avanços obtidos na formulação de políticas e no fortalecimento das instituições, criar precedentes danosos e serem difíceis de reverter.
Durante a crise atual, o monitoramento dos programas (e também do financiamento emergencial) pelo FMI passou a dar mais ênfase à qualidade e ao controle das medidas de gastos em vez de se ater a condições específicas e mensuráveis tradicionalmente ligadas aos empréstimos da instituição, como o endividamento do governo central.
A razão é simples. A incerteza sem precedentes causada pela pandemia significa que se tornou mais difícil planejar a política econômica, e as metas correm o risco de se tornar obsoletas rapidamente.
É provável que essa tendência continue enquanto durar a pandemia, até que se possa ter uma visão mais segura das perspectivas econômicas e das condições de financiamento. Mesmo com uma avaliação mais holística das políticas nesse meio tempo, os países precisarão demonstrar que os recursos do FMI estão sendo usados devidamente .
Lidar com a incerteza
Ao mesmo tempo, as autoridades nacionais precisarão manter-se ágeis para reagir aos choques econômicos e fazer frente aos riscos futuros. Assim, o diálogo periódico entre as autoridades e o corpo técnico do FMI sobre cenários adversos e a resposta adequada da política econômica adquire mais importância, tanto no contexto dos programas como da supervisão.
Com o aumento dos níveis da dívida, é provável que mais países fiquem vulneráveis ao problema do superendividamento. Quando a sustentabilidade da dívida de um país é incerta, prorrogar o vencimento das obrigações do governo pode ser útil para decidir o curso futuro de ação até que haja mais clareza sobre a necessidade e o alcance de um possível tratamento da dívida mais à frente.
Isso envolve custos — como o rebaixamento da nota de crédito e, possivelmente, a declaração de um evento de crédito — mas, no final, os investidores podem ser beneficiados ao resolver os problemas subjacentes que levaram à perda de acesso aos mercados.
Ao liberar recursos essenciais e diminuir a pressão sobre as reservas externas, a prorrogação dos vencimentos também pode ajudar a reduzir a necessidade de austeridade e aperto monetário, que podem agravar as dificuldades econômicas.
Por último, mesmo que consigam administrar a pandemia e suas consequências econômicas sem recorrer ao financiamento do FMI, muitos países talvez tenham interesse em obter um seguro contra choques imprevistos. Para eles, os instrumentos de crédito preventivo do FMI são uma opção atraente que pode facilitar o acesso aos mercados a custos mais baixos. Esses instrumentos podem ser revertidos gradativamente à medida que as condições melhorem; por exemplo, os países com Linhas de Crédito Flexíveis poderiam fazer a transição para Linhas de Liquidez de Curto Prazo .
Apoio ao ajuste estrutural para uma nova normalidade
À medida que a incerteza for diminuindo, o crédito do FMI mudará progressivamente, refletindo a necessidade de ajudar os países a restabelecer a margem de manobra da política econômica e reduzir as vulnerabilidades da dívida.
Na maioria dos países, a economia pós-pandemia será diferente da que existia antes. Conforme a recuperação comece a se firmar e os efeitos da crise se tornem mais claros, os programas do FMI terão que passar a dar mais ênfase a reformas que estimulem o crescimento, para auxiliar os países membros a alcançar uma retomada forte e sustentável após a crise.
Por exemplo, as reformas para que os trabalhadores entrem e saiam de empregos com mais facilidade não são tão essenciais para conter o vírus e estabilizar a economia, mas podem ser importantes para ajustar-se ao “novo normal”, pois as economias podem estar passando por mudanças estruturais significativas ao lidar com os desafios impostos pelas tecnologias digitais e os efeitos das alterações climáticas.
Por isso, o FMI continuará a colaborar com outras instituições financeiras internacionais para implementar políticas estruturais, com destaque para áreas como a saúde, a gestão da dívida, a proteção social e a melhoria da governança do crédito, bem como medidas para aumentar a resiliência a futuros riscos sanitários e climáticos.
A crise atual vem testando ao extremo a resiliência e a agilidade dos governos e dos bancos centrais. O FMI, juntamente com seus organismos parceiros, está empenhado em igualar esses esforços no plano internacional. O uso eficiente dos instrumentos de crédito do FMI continuará a ser uma ferramenta essencial nesse sentido.
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Robert Gregory é Subchefe de Unidade no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI, onde atua na área de política de empréstimos. Previamente, no Departamento da Europa, integrou a equipe responsável pela Islândia, e antes disso, trabalhou também com o Marrocos e a Nigéria. Iniciou sua carreira na Accenture, com passagens pelo Tesouro do Reino Unido e o Barclays Bank. Recentemente, voltou ao FMI após um destacamento temporário ao governo britânico, para tratar de temas de política comercial.
Huidan Lin é Economista no Departamento da Europa do FMI, onde se ocupa da política monetária e perspectivas macroeconômicas para a área do euro. Anteriormente, trabalhou com Portugal e a Coreia. Seus estudos abordam uma série de questões macroeconômicas e financeiras que envolvem a China, a área do euro e os Estados Unidos, como o crescimento, o setor bancário, o mercado de trabalho e as finanças corporativas. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Columbia e concluiu seu mestrado em Economia na Universidade de Pequim, China.
Martin Mühleisen é Diretor do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação (SPR) do FMI. Nessa função, lidera o trabalho sobre o direcionamento estratégico do FMI e a formulação, implementação e avaliação das políticas da instituição. Além disso, supervisiona as interações do FMI com outros organismos internacionais, como o G‑20 e a ONU.