A exatidão e pontualidade dos dados econômicos é fundamental para informar as decisões sobre políticas, especialmente durante uma crise. Mas a pandemia de COVID-19 interrompeu a produção de muitas estatísticas essenciais. Sem dados confiáveis, as autoridades não podem avaliar a gravidade do impacto da pandemia sobre as famílias e a economia, nem monitorar corretamente a recuperação.
Estamos colaborando com os países membros e outros organismos internacionais para superar essas dificuldades e manter o fluxo de dados econômicos.
Três grandes desafios estatísticos
Primeiro, muitos funcionários dos órgãos nacionais de estatística estão trabalhando em casa por causa das medidas de isolamento, muitas vezes com acesso limitado às ferramentas e aos dados de que necessitam para produzir e divulgar os indicadores econômicos. Por exemplo, o cálculo dos preços no varejo muitas vezes exige visitas físicas aos estabelecimentos comerciais, algo que em muitos países não é possível fazer neste momento. Também é difícil saber quais são os planos de produção e investimento das empresas porque muitas delas suspenderam temporariamente suas atividades ou simplesmente não dispõem de recursos para responder a questionários estatísticos. Nessas circunstâncias, os dados sobre preços e produção – que são indispensáveis para calibrar as medidas de política monetária e de estímulo fiscal – talvez sejam divulgados com atraso ou estimados com base em informações parciais.
Segundo, a falta de uniformidade no registro do apoio público concedido a famílias e empresas poderia complicar a avaliação de seu impacto nas finanças públicas. Não é tão simples decidir qual a melhor forma de refletir algumas dessas medidas nos dados estatísticos. Por exemplo, quando um governo concede apoio financeiro a empresas afetadas pela COVID-19, ele está fazendo um investimento financeiro ou concedendo subsídios sem esperar um retorno? Dependendo da resposta, as autoridades terão uma visão diferente do déficit fiscal e da dívida pública.
Terceiro, para tomar decisões mais bem informadas, as autoridades precisam fazer uma leitura da economia em tempo real. Muitas estatísticas oficiais tradicionais –mesmo as que são publicadas a cada mês – já não estão suficientemente atualizadas, o que reduz sua utilidade neste momento. São necessários outros dados de maior frequência para complementar as estatísticas oficiais. Embora sua importância já fosse reconhecida antes da pandemia , as perturbações nas estatísticas tradicionais causadas pela atual crise tornam imprescindível o uso desses indicadores alternativos.
Como superar a ausência de dados
Os países podem tirar proveito de orientações sobre como suprir essas lacunas de dados durante a pandemia. Nossas recentes notas de orientação contêm recomendações e melhores práticas para assegurar a continuidade de estatísticas básicas sobre preços, crescimento e comércio internacional.
As principais recomendações são:
- Dar prioridade aos elementos de dados que têm maior impacto nas estatísticas essenciais.
- Estimar ou imputar provisoriamente os valores dos elementos de dados faltantes recorrendo a outras fontes de dados, informações de mercado e critérios baseados no melhor juízo. Por exemplo, é possível substituir os preços faltantes por causa do fechamento do comércio por preços publicados na Internet ou por dados coletivos (recolhidos com a ajuda de comunidades de usuários da Internet) e os dados sobre viagens obtidos face a face (uma tarefa impossível de realizar no momento devido ao distanciamento social) pelos registros de imigração.
- Melhorar a transparência dos procedimentos estatísticos divulgando devidamente os métodos empregados para estimar os dados faltantes e imputados e notificar os usuários com antecedência sobre atrasos na publicação dos principais indicadores estatísticos.
Como países do mundo inteiro estão enfrentando essas mesmas dificuldades de dados durante a atual crise, o intercâmbio de informações e a aprendizagem entre pares são fundamentais para tirar proveito das melhores práticas. O FMI – juntamente com o Banco Mundial, o Eurostat, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a ONU – está apoiando esta iniciativa por meio de videoconferências e um portal sobre a COVID-19 que a OCDE disponibilizou aos compiladores. As notas de orientação do FMI sobre o registro dos principais tipos de intervenções públicas complementam estes esforços.
Diante da necessidade urgente de novas fontes de dados para apoiar o acompanhamento em tempo real da atividade econômica, os países estão redobrando os esforços para obter informações mais detalhadas e de alta frequência que lhes permitam avaliar e quantificar o impacto do vírus com mais rapidez. O Reino Unido, por exemplo, começou a publicar boletins semanais com indicadores novos e experimentais, como índices de preços on-line e dados diários sobre o transporte de mercadorias, para medir o impacto econômico da COVID-19 sobre a inflação e o comércio internacional. A África do Sul utilizou os preços publicados na Internet pelos comerciantes para compilar um índice de preços ao consumidor de produtos essenciais . O FMI está incorporando estas e outras novas fontes de dados para analisar o impacto econômico e financeiro da COVID-19, ao monitorar, por exemplo, a atividade de determinados setores e a mobilidade da população por meio de dados de alta frequência sobre o consumo de energia e o transporte aéreo.
Os enormes transtornos na disponibilidade de dados por causa da pandemia de COVID-19 exigem fontes e métodos de compilação inovadores. Dispor de informações mais exatas e atualizadas ajudará os países a continuar a enfrentar a crise de forma mais eficaz e a começar a se preparar para a recuperação.
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Louis Marc Ducharme foi nomeado Diretor do Departamento de Estatística do FMI em 17 de junho de 2013. Antes de ingressar no FMI, trabalhou 30 anos no Statistics Canada, onde ocupou uma série de cargos na área de estatísticas econômicas. Seu último posto na instituição foi o de Chefe Adjunto de Estatísticas, responsável pelo conjunto de estatísticas econômicas. Ao longo de sua carreira, prestou ampla assistência técnica a uma série de países de América Latina. Lecionou Macroeconomia na Graduate School of Public and International Affairs da Universidade de Ottawa.
É doutor em Economia e Ciências Políticas pela Universidade de Sussex, Reino Unido, e mestre e bacharel em Economia pela Universidade de Montreal, Canadá.
Zaijin Zhan é Subchefe de Divisão do Departamento de Estatística do FMI, onde trabalha com estatísticas fiscais e da dívida do setor público. Desde que ingressou no Fundo, dedicou-se intensamente a questões ligadas aos empréstimos e à política de supervisão do FMI, além de trabalhar com uma variedade de economias de baixa renda e de mercados emergentes, como África do Sul, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Etiópia e Gana. Seus interesses de pesquisa incluem a transparência fiscal e a dívida soberana.
James Tebrake é Diretor Adjunto e Chefe da Divisão de Estatísticas do Setor Real do Departamento de Estatística do FMI. Trabalha no FMI desde julho de 2019. Anteriormente, foi Subchefe de Estatísticas Econômicas do Statistics Canada. Possui vasta experiência em estatísticas macroeconômicas, em especial contas nacionais e estatísticas do setor externo. É mestre em Economia pela Universidade Carleton, com certificação universitária em governança e liderança do setor público pela Universidade de Ottawa.