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As empresas públicas em tempos de COVID-19


A pandemia tem posto em relevo o papel do setor público para salvar vidas e preservar meios de subsistência. As empresas públicas fazem parte desse esforço. Algumas são empresas de serviços públicos que prestam serviços essenciais ou bancos públicos que concedem empréstimos a pequenas empresas. Outras, porém, estão em dificuldades e pesam sobre os cofres públicos. São desde companhias petrolíferas nacionais às voltas com a forte queda dos preços do petróleo até companhias aéreas nacionais sem passageiros suficientes para seus voos.

A maioria das pessoas lida com empresas públicas todos os dias. Elas provavelmente fornecem a água que você bebe, a eletricidade que você consome e o ônibus ou metrô que você pega para ir ao trabalho ou à aula. São empresas de todos os tipos e tamanhos. Algumas são de propriedade 100% estatal e outras são de propriedade conjunta com investidores privados.

A mais nova edição de nosso relatório Fiscal Monitor analisa esse outro braço do governo. Como as empresas públicas evoluíram nas últimas décadas? Como os países podem tirar o máximo proveito delas? Na melhor das hipóteses, elas podem ajudar os países a atingir objetivos econômicos e sociais. Na pior, exigem grandes resgates com recursos dos contribuintes e prejudicam o crescimento econômico. A diferença reside, em última instância, na boa governança e na prestação de contas.

Grandes e complexas

As empresas públicas estão presentes em todos os países. Em alguns, como Alemanha, China, Índia e Rússia, existem aos milhares.

São grandes atores em muitas economias. Respondem, por exemplo, por 55% do investimento total em infraestrutura nas economias em desenvolvimento e de mercados emergentes.

Algumas também são multinacionais, operando em todo o mundo. Sua participação entre as 2 mil maiores empresas do mundo dobrou para 20% nas duas últimas décadas, impulsionada pelas empresas públicas nos mercados emergentes — seus ativos valem US$ 45 trilhões, o equivalente a metade do PIB mundial.

A relação entre os governos e as empresas públicas nem sempre é direta. Os governos as criam para cumprir metas e mandatos específicos, como o abastecimento de água, o fornecimento de eletricidade ou a oferta de transporte em rotas que o setor privado não consideraria lucrativas. No entanto, esses mandatos muitas vezes não são financiados de forma adequada, o que gera consequências para a vida das pessoas. O desempenho das empresas públicas fica aquém das expectativas em muitos países em desenvolvimento, onde mais de 2 bilhões de pessoas continuam sem acesso a água potável e mais de 800 milhões não têm eletricidade confiável.

Os bancos públicos são outro exemplo. Governos em países como Alemanha, Brasil, Canadá e Índia pediram a seus bancos públicos que ajudassem a aliviar o impacto da pandemia atual. Contudo, muitos deles têm um histórico ruim na promoção do desenvolvimento econômico (seu principal objetivo) e podem assumir riscos excessivos, o que deixa economias e pessoas mais vulneráveis a crises.

Os governos também enfrentam dificuldades no monitoramento eficaz das empresas públicas. Muitos não dispõem da capacidade para fazê-lo. A falta de transparência nas atividades dos bancos e empresas do setor público continua a ser um obstáculo para a prestação de contas e a supervisão. Isso pode levar a um acúmulo de dívidas grandes e ocultas e o Estado acaba tendo que saldá-las, o que às vezes custa aos contribuintes mais de 10% do PIB.

Nesses casos, as empresas públicas tendem a ter um desempenho inferior ao de seus pares do setor privado. Com base em uma amostra de cerca de 1 milhão de empresas de 109 países, constatamos que as empresas públicas são um terço menos produtivas do que as empresas privadas, em média. Esse baixo desempenho se deve, em parte, à má governança: a produtividade dessas empresas em países onde a percepção de corrupção é menor chega a ser mais de três vezes superior à de empresas em países onde a corrupção é considerada um problema grave.

A internacionalização das empresas públicas também intensificou a preocupação de que elas tenham uma vantagem injusta sobre as empresas privadas em decorrência do apoio do governo, por exemplo, na forma de empréstimos baratos ou benefícios fiscais. Essa preocupação está presente há muito tempo nos mercados internos, mas recentemente vem ultrapassando as fronteiras nacionais e pode estimular a adoção de medidas protecionistas.

Melhor uso do dinheiro do contribuinte

Em um momento em que os governos enfrentam pressões crescentes e níveis elevados de endividamento, as empresas públicas devem se pautar por um princípio básico: não desperdiçar recursos públicos. Fazemos quatro recomendações principais sobre como os países podem melhorar o desempenho dessas empresas:

  1. Os governos devem verificar regularmente se uma empresa ainda é necessária e se ela está fazendo bom uso do dinheiro do contribuinte. Por exemplo, a Alemanha faz essa verificação a cada dois anos. A justificativa para que uma empresa estatal atue em setores competitivos, como a indústria manufatureira, é mais fraca porque as empresas privadas de modo geral oferecem bens e serviços de forma mais eficiente.

  2. Os países precisam criar os incentivos certos para que os gestores cumpram suas funções e os órgãos do governo supervisionem devidamente cada empresa. A completa transparência das atividades das empresas é fundamental para melhorar a prestação de contas e reduzir a corrupção. A inclusão das empresas públicas no orçamento e nas metas da dívida também geraria mais incentivos para a disciplina fiscal. Muitos aspectos dessas práticas são aplicados, por exemplo, na Nova Zelândia.

  3. Os governos também precisam assegurar que as empresas públicas recebam o devido financiamento para cumprir seus mandatos econômicos e sociais, como na Suécia. Isso é fundamental para responder a crises — de maneira que os bancos públicos e as concessionárias de serviços públicos disponham de recursos suficientes para conceder empréstimos e fornecer água e energia elétrica durante esta pandemia — e para promover a consecução dos objetivos de desenvolvimento.

  4. Assegurar a igualdade de condições tanto para as empresas públicas quanto para as empresas privadas teria efeitos positivos ao estimular o aumento da produtividade e evitar o protecionismo. Alguns países já limitam o tratamento preferencial das empresas públicas, como a Austrália e a União Europeia. No plano mundial, uma opção seria acordar princípios para orientar o comportamento internacional das empresas públicas.

Muito está em jogo. Empresas públicas bem administradas e financeiramente saudáveis podem ajudar a combater crises como a pandemia e promover a consecução dos objetivos de desenvolvimento. Todavia, para cumprir essas metas, muitas precisam passar por mais reformas. Do contrário, os custos para a sociedade e para a economia podem ser altos.

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Vítor Gaspar , cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial. Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Econômica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e atuou como Diretor-Geral de Estudos Econômicos no Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se e agregou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, tendo também estudado na Universidade Católica Portuguesa.

Paulo Medas é Subchefe de Divisão no Departamento de Finanças Públicas do FMI, tendo trabalhado anteriormente nos departamentos da Europa e do Hemisfério Ocidental. Foi Representante Residente do FMI no Brasil de 2008 a 2011 e liderou missões de capacitação a vários países. Suas principais áreas de estudo são governança e corrupção, crises fiscais e gestão de recursos naturais. É um dos coautores do livro Brazil: Boom, Bust, and Road to Recovery, publicado em 2019.

John Ralyea é Economista Sênior no Departamento de Finanças Públicas do FMI, tendo trabalhado também no Departamento Financeiro e no Departamento da Europa, onde participou das equipes encarregadas da Eslováquia, Eslovênia, Espanha e Romênia. Desenvolveu estudos relacionados aos riscos fiscais, abrangendo empresas públicas, a previdência pública e as regras fiscais. Antes de ingressar no FMI, trabalhou para o Departamento do Tesouro dos EUA. Tem um mestrado pela Johns Hopkins School of Advanced International Studies. Em outra etapa de sua vida profissional, foi Contador Público Certificado (CPA).