Este blog faz parte de uma série especial sobre a resposta ao coronavírus.
A crise do coronavírus está causando um impacto grave e profundo sobre a economia mundial e obrigou as autoridades de todo o mundo a buscar respostas. A experiência da China até agora mostra que as políticas corretas fazem a diferença no combate à doença e na mitigação do seu impacto, mas algumas dessas políticas implicam escolhas econômicas difíceis.
Escolhas difíceis
O êxito na contenção do vírus tem como preço a desaceleração da atividade econômica, independentemente do distanciamento social e da mobilidade reduzida serem voluntários ou obrigatórios. No caso da China, as autoridades implementaram restrições rígidas de mobilidade, tanto em escala nacional como local; por exemplo, no pico do surto, muitas cidades impuseram toques de recolher aos seus cidadãos. Contudo, em nenhum lugar essa situação foi tão devastadora como na província de Hubei, que, apesar de todo o apoio do resto da China, sofreu muito enquanto procurava ajudar a retardar o alastramento da doença para o resto do país. Isso deixa claro que, à medida que a pandemia se instala em todo o mundo, aqueles que forem mais duramente atingidos – dentro dos países e entre eles – precisarão de auxílio para ajudar a conter o vírus e retardar sua propagação.
Custos elevados
O surto causou um sofrimento humano terrível na China, como continua a ocorrer em outras regiões, bem como custos econômicos significativos. Tudo indica que a desaceleração da economia chinesa no primeiro trimestre de 2020 será considerável e deixará uma marca profunda no restante do ano.
O que começou como uma série de interrupções repentinas na atividade econômica rapidamente se espalhou pela economia e se transformou em um choque de grandes proporções que abalou simultaneamente a oferta e a demanda, o que é visível nos números muito baixos da produção industrial e das vendas no varejo em janeiro e fevereiro. O choque do coronavírus é grave mesmo comparado com a crise financeira mundial de 2007-08, pois atingiu famílias, empresas, instituições financeiras e mercados ao mesmo tempo, primeiro na China e agora no mundo todo.
Ação rápida
Para mitigar o impacto desse grave choque, é preciso apoiar os mais vulneráveis. As autoridades chinesas visaram as famílias vulneráveis e buscaram novas formas de atender às empresas de menor porte — por exemplo, suspendendo a cobrança de contribuições para a seguridade social e das contas de serviços públicos e canalizando o crédito por meio das fintech. Outras políticas também podem ser úteis. As autoridades disponibilizaram rapidamente crédito subsidiado para amparar o aumento da produção de equipamentos de saúde e outras atividades cruciais envolvidas na resposta ao surto.
Salvaguardar a estabilidade financeira exige uma atuação assertiva e uma comunicação clara. As últimas semanas mostraram como uma crise de saúde, ainda que temporária, pode se transformar em um choque econômico em que a falta de liquidez e as perturbações do mercado podem se amplificar e se perpetuar. Na China, as autoridades intervieram cedo para escorar os mercados interbancários e fornecer apoio financeiro às empresas em dificuldades, permitindo que o renminbi se ajustasse às pressões externas. Destacam-se, entre outras medidas, a orientação aos bancos para trabalhar com os devedores afetados pelo surto; o incentivo aos bancos para conceder empréstimos a empresas de menor porte por meio de financiamento especial do banco central chinês; e reduções específicas nos níveis de depósito compulsório dos bancos. As empresas de maior porte, incluídas as estatais, continuaram a ter acesso relativamente estável ao crédito, em grande medida porque os grandes bancos estatais da China continuaram a disponibilizar empréstimos generosos.
Naturalmente, algumas modalidades de alívio geram problemas específicos. Por exemplo, dar mais tempo a um grande número de devedores para cumprir suas obrigações financeiras pode comprometer a solidez financeira mais à frente caso essa medida não se aplique apenas à crise atual e não tenha um prazo definido; o crédito subsidiado pode ser mal alocado, e manter vivas empresas que já não são viáveis pode prejudicar o crescimento da produtividade mais tarde. Sempre que possível, o uso de instrumentos bem direcionados é o caminho certo a seguir.
Ainda não acabou
Embora haja sinais tranquilizadores de normalização da economia chinesa — a maioria das empresas de maior porte informou que reabriu suas portas e que muitos funcionários locais voltaram a trabalhar —, os riscos ainda são grandes. Um deles é a possibilidade de aumento do número de novas infecções à medida que as viagens nacionais e internacionais sejam reiniciadas. Mesmo que não haja outro surto na China, a pandemia em curso está gerando riscos econômicos. Por exemplo, à medida que mais países enfrentam surtos e os mercados financeiros mundiais estremecem, os consumidores e as empresas podem se manter cautelosos, deprimindo a demanda mundial por produtos chineses enquanto a economia volta a funcionar. Portanto, as autoridades chinesas precisarão estar preparadas para, se necessário, apoiar o crescimento e a estabilidade financeira. Em vista da natureza global do surto, muitos desses esforços serão mais eficazes se houver uma coordenação internacional.
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Helge Berger é chefe de missão do FMI para a China e Diretor Adjunto do Departamento da Ásia e do Pacífico. É também professor adjunto de economia monetária na Universidade Livre de Berlim. Cursou seus estudos em Munique, Alemanha, onde doutorou-se em Economia e obteve sua habilitação para lecionar. Anteriormente, deu aulas como professor convidado da cadeira John Foster Dulles na Universidade de Princeton, ajudou a coordenar a rede CESifo, sediada em Munique, como diretor de estudos, e foi professor titular na Universidade Livre de Berlim.
Kenneth Kang é Subdiretor do Departamento da Ásia e do Pacífico do FMI e é responsável pelos países do nordeste da Ásia, como China, RAE de Hong Kong, Coreia e Mongólia. Anteriormente, trabalhou com uma série de países, como Itália, Japão e Países Baixos, e com a área do euro, e foi Representante Residente do FMI na Coreia de 2003 a 2006. Doutorou-se pela Universidade de Harvard e graduou-se na Universidade de Yale.
Changyong Rhee é Diretor do Departamento da Ásia e do Pacífico do FMI. Antes de ingressar no FMI, foi economista-chefe do Banco Asiático de Desenvolvimento (BAsD), onde foi o principal porta-voz do BAsD sobre tendências econômicas e de desenvolvimento e supervisionou o Departamento de Economia e Estudos. Foi o secretário-geral da Comissão Presidencial da reunião de cúpula do G‑20 na República da Coreia. Antes de sua nomeação para a Comissão de Serviços Financeiros, foi professor titular de Economia na Universidade Nacional de Seul e professor assistente na Universidade de Rochester. Além disso, foi colaborador assíduo do governo da Coreia, tendo atuado como assessor do Gabinete do Presidente, Ministério das Finanças e Economia, Banco da Coreia, Depositário de Valores da Coreia e Instituto Coreano para o Desenvolvimento. Seus estudos concentram-se em temas de macroeconomia, economia financeira e a economia coreana, e já publicou muitos artigos nessas áreas. Doutorou-se em economia pela Universidade de Harvard e graduou-se em Economia pela Universidade Nacional de Seul.