Visitar uma escola na África Subsaariana oferece tanto uma visão de esperança para o futuro como um lembrete das dificuldades para tornar realidade essa visão. Minha recente visita a Serra Leoa e Níger deixou muito evidente esta dualidade.
Em Serra Leoa, as salas de aula da Escola Municipal Regent Square são um exemplo do ambicioso programa de governo “Educação Gratuita de Qualidade”, que visa explorar o potencial do recurso mais precioso do país – suas crianças. Ali, vemos alunos ansiosos por aprender, compenetrados e esforçados, mas sua educação é limitada pelo excesso de alunos por turma, por professores sobrecarregados e pouco capacitados e pela falta de material escolar.
Enquanto isso, no Níger, há também um grande impulso para a mudança. Em um centro de pesquisa à beira do deserto do Sahel, cientistas estão trabalhando em soluções de alta tecnologia para combater a malária e as mudanças climáticas. Mas a apenas alguns quilômetros de distância, estudantes de todas as idades estão recebendo educação básica em escolas feitas de sapé, em salas de aula com quadros‑negros mas poucos livros.
Educação e tecnologia para impulsionar a mudança
Apesar dos desafios, o que ficou mais evidente foi o foco na educação como motor da mudança e a receptividade ao uso da tecnologia para atingir esse objetivo. É a imagem de um futuro mais promissor – especialmente se esses países conseguirem encontrar novas fontes de financiamento interno e externo e utilizarem a tecnologia de forma criativa para superar a escassez de recursos.
Serra Leoa saiu de uma década de guerra civil em 2002 e lançou-se no caminho da recuperação. Recebeu US$ 1,6 bilhões em alívio da dívida e começou a explorar enormes jazidas de minério de ferro. Mas em 2014 o país foi devastado pelo ebola (juntamente com as vizinhas Guiné e Libéria), em meio ao colapso dos preços globais das commodities. Agora os serra-leonenses têm de recuperar o tempo perdido.
Hoje, o ambicioso programa de desenvolvimento do governo está focado no investimento em infraestrutura e capital humano. A tecnologia será um elemento fundamental do plano – um bom exemplo é o uso da digitalização para avaliar o progresso na educação. O Ministro da Educação Primária e Secundária, David Moinina Sengeh (que também é o Diretor de Inovação do governo), é um dos principais intelectuais africanos. Ele doutorou-se pelo MIT e liderou o trabalho de inteligência artificial na IBM, e agora dirige a pasta da educação, essencial para um país onde mais de 40% da população tem menos de 15 anos de idade.
Investir no futuro
Investir nas crianças do país e na sua educação é o elemento central do plano de desenvolvimento nacional de Serra Leoa. Esta iniciativa tem o potencial de elevar o PIB em 40% nas próximas décadas e reduzir a desigualdade de renda, o que faria uma grande diferença em um país onde o PIB per capita permanece pouco acima de US$ 500 e mais de metade da população vive na pobreza.
Mas como um país garante recursos para investir? Uma tarefa básica é elevar os impostos de forma equitativa e aumentar a eficácia dos gastos públicos. As medidas para fortalecer a governança (incluindo o combate à corrupção) contribuirão para ambos os objetivos. Esta é também uma área em que o FMI está trabalhando com Serra Leoa, prestando formação e apoio concreto adicional em áreas como a mobilização de receitas e a gestão tributária. Curiosamente, Serra Leoa está abordando alguns desses problemas através do desenvolvimento de soluções tecnológicas, utilizando inteligência artificial e aprendizado de máquina (machine learning).
Embora a comunidade internacional tenha intensificado seu apoio durante a crise do ebola, nos últimos anos a ajuda financeira ficou aquém dos níveis alcançados no passado. Por exemplo, Ruanda e Moçambique receberam donativos que totalizaram cerca de 8% a 9% do PIB na década após o fim de seus conflitos civis. A ajuda atual prestada a Serra Leoa, porém, caiu para 2% a 3% do PIB.
Os desafios do Níger
O Níger também enfrenta enormes desafios. Nos últimos anos, o país registrou um crescimento substancial, e deve começar a exportar petróleo em 2022. Mas com a maior taxa de crescimento populacional do mundo (3,8%, com mais de 7 crianças por mãe e elevada mortalidade infantil), a principal prioridade é o desenvolvimento do setor privado emergente e a criação de empregos.
Para piorar, o país enfrenta duas ameaças existenciais: o conflito militar e as mudanças climáticas. São problemas que partilha com os vizinhos do Sahel.
O conflito armado está afetando cada vez mais o país devido à ação de grupos terroristas que atravessam suas fronteiras com o Mali, Burkina Faso e a Nigéria. Em termos econômicos, para um país cujos recursos são utilizados no limite, os elevados gastos em segurança complicam as finanças públicas, imobilizando fundos que de outra forma poderiam ser empregados para estimular o desenvolvimento.
As mudanças climáticas são uma realidade sempre presente no Níger, uma economia predominantemente agrícola que depende da escassa precipitação anual. As temperaturas no Sahel estão subindo a um ritmo 1,5 vez superior à média global, tornando a precipitação imprevisível e as estações chuvosas mais curtas. A ONU estima que 80% das terras agrícolas do Sahel se degradaram.
O conflito armado e as mudanças climáticas são questões que deveriam estar na mira dos governos das economias avançadas que se preocupam com o aumento do terrorismo no Norte da África e o fluxo de migrantes da região. Existem interesses comuns que vinculam o desenvolvimento econômico à segurança, especialmente na Europa.
Dos anseios à realidade
Não se pode esperar que países como Níger e Serra Leoa consigam superar seus desafios sozinhos. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU dependem da mobilização de recursos nacionais e internacionais para alcançar as ambiciosas metas estabelecidas pela comunidade internacional.
Basta uma visita no terreno para compreender como os anseios das populações são fortes e como cada avanço é importante. Com recursos adicionais, esses países poderiam chegar ainda mais longe e transformar suas aspirações em realidade.
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David Lipton é Primeiro Subdiretor-Geral do FMI desde 2011. Antes de ingressar no FMI, foi Assistente Especial do Presidente Clinton e atuou como Diretor Sênior de Assuntos Econômicos Internacionais no Conselho Econômico Nacional dos Estados Unidos e no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. Também durante o governo Clinton, foi Secretário Adjunto e Subsecretário do Tesouro para Assuntos Internacionais. Previamente, foi diretor gerente do Citi e ocupou cargos de chefia na corretora de fundos de hedge Moore Capital Management e na Fundação Carnegie para a Paz Internacional. Foi também pesquisador no Centro Woodrow Wilson.
De 1989 a 1992, em parceria com o Professor Jeffrey Sachs, então na Universidade de Harvard, atuou como assessor econômico dos governos da Rússia, Polônia e Eslovênia durante as transições desses países para regimes capitalistas.
Formado pela Universidade Wesleyan, Lipton possui doutorado e mestrado pela Universidade de Harvard.