Romain Duval e Davide Furceri
As economias de mercados emergentes e em desenvolvimento registraram boas taxas de crescimento nas duas últimas décadas. Mas muitos países ainda não alcançaram os padrões de vida das economias desenvolvidas.
Às taxas de crescimento atuais, seriam necessários mais de 50 anos para que uma economia de mercado emergente típica eliminasse metade da sua disparidade de renda em termos de padrões de vida, e 90 anos para uma economia em desenvolvimento.
Nosso estudo apresentado no Capítulo 3 da edição de outubro de 2019 do World Economic Outlook revela que a implementação simultânea de grandes reformas em seis áreas‑chave – financiamento interno, financiamento externo, comércio, mercados de trabalho, mercados de produtos e governança – pode dobrar a velocidade de convergência da renda de uma economia de mercado emergente ou em desenvolvimento típica para os padrões de vida das economias avançadas, o que poderia elevar os níveis de produção em mais de 7% em seis anos.
Mais margem para reformas
Políticas que alteram a forma como os governos trabalham (conhecidas como reformas estruturais) são difíceis de mensurar porque muitas vezes envolvem políticas ou questões que não são fáceis de quantificar, como a legislação de proteção ao emprego ou a qualidade da supervisão do sistema bancário nacional.
Para abordar esta questão, o FMI desenvolveu recentemente um amplo conjunto de dados que abrange regulamentos estruturais nas áreas de financiamento interno e externo, comércio e mercados de trabalho e de produtos. Os dados cobrem uma amostra de 90 economias desenvolvidas e em desenvolvimento nos últimos 40 anos. Além desses cinco indicadores, incluímos a qualidade da governança (por exemplo, como os países controlam a corrupção) extraída dos Indicadores Globais de Governança.
Os novos indicadores mostram que após uma importante onda de reformas no final dos anos 80 e, principalmente, nos anos 90, o ritmo diminuiu em mercado emergentes e economias em desenvolvimento durante os anos 2000, em especial nos países em desenvolvimento de baixa renda.
Apesar desta desaceleração refletir a geração anterior de reformas, como no caso das economias avançadas, ainda há ampla margem para uma nova onda reformas, sobretudo nas economias em desenvolvimento – especialmente na África Subsaariana e, em menor grau, no Oriente Médio e Norte de África e na região Ásia‑Pacífico.
As reformas podem impulsionar o crescimento e os padrões de vida
Com base na nossa pesquisa empírica de reformas em 48 atuais e antigos mercados emergentes e 20 economias em desenvolvimento, descobrimos que as reformas podem produzir benefícios consideráveis. Mas esses ganhos demoram a se concretizar e variam dependendo do tipo de regulamentação. Por exemplo, uma reforma do financiamento interno do tamanho da que ocorreu no Egito em 1992 produz um aumento de cerca de 2% na produção, em média, seis anos após sua implementação. O mesmo resultado é obtido nas medidas anticorrupção, cujos efeitos são substanciais a curto prazo e estabilizam em cerca de 2% a médio prazo. Nas outras quatro áreas de reformas – financiamento externo, comércio, mercados de produtos e mercados de trabalho – os ganhos são de cerca de 1% seis anos após a reforma.
Para uma economia de mercado emergente e em desenvolvimento média, os resultados sugerem que grandes reformas simultâneas em todas as seis áreas consideradas neste capítulo podem elevar a produção em mais de 7% no prazo de seis anos, levando a um acréscimo de cerca de 1 ponto percentual no crescimento do PIB per capita anual e dobrando a velocidade média de convergência da renda para os níveis dos países desenvolvidos. A análise baseada em modelos – que captura o efeito a longo prazo de reformas e dá pistas sobre os canais pelos quais elas podem afetar a atividade econômica —aponta para ganhos de produção cerca de duas vezes maiores que o modelo empírico a longo prazo (após os primeiros seis anos).
Um dos canais pelos quais as reformas aumentam a produção é a redução da informalidade. Por exemplo, reduzir barreiras ao acesso das empresas ao setor formal incentiva algumas empresas informais a se formalizarem. Por sua vez, a formalização impulsiona a produção ao aumentar a produtividade e o investimento de capital das empresas. Por esse motivo, os benefícios das reformas tendem a ser maiores quando a informalidade é generalizada.
Escolher a forma, a sequência e o momento certos
Algumas reformas funcionam melhor quando a economia é robusta. Em épocas favoráveis, a redução dos custos de demissão faz com que os empregadores estejam mais dispostos a contratar novos trabalhadores, enquanto em períodos adversos eles ficam mais dispostos a demitir os atuais, exacerbando os efeitos de uma recessão. Do mesmo modo, o aumento da concorrência no setor financeiro em épocas de pouca demanda por crédito pode levar certos intermediários financeiros a fechar as portas, debilitando ainda mais a economia.
Em países com uma economia fraca, os governos podem priorizar certas reformas, como o reforço da concorrência no mercado de produtos (que gera benefícios independentemente das condições econômicas), formular outras para aliviar os custos de curto prazo – como introduzir reformas de proteção ao emprego agora presumindo que produzirão efeitos mais tarde – e conjugá-las com o apoio das políticas monetária ou fiscal sempre que possível.
As reformas também funcionam melhor se tiverem a forma e a sequência corretas. Normalmente os ganhos são maiores em países cuja governança é mais forte. Isso significa que fortalecer a governança pode servir de apoio ao crescimento econômico e à convergência de renda não apenas diretamente, incentivando mais empresas produtivas formais a investir e a contratar, mas também indiretamente, potencializando o efeito das reformas em outras áreas.
Por último, para que cumpram sua promessa de melhorar os padrões de vida, as reformas têm de ser apoiadas por políticas redistributivas que repartam os ganhos de forma ampla, por toda a população – como redes de proteção social fortes e programas de auxílio à recolocação profissional. Para que as reformas sejam sustentáveis e, por conseguinte, eficazes, precisam beneficiar a todos e não a apenas alguns.
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Davide Furceri é Subchefe de Divisão no Departamento de Estudos do FMI. É doutor em Economia pela Universidade de Illinois. Antes de ingressar no Fundo, foi economista na Divisão de Política Fiscal do Banco Central Europeu e na Divisão de Análise Macroeconômica do Departamento de Economia da OCDE. É autor de numerosos artigos nas principais revistas acadêmicas e voltadas para políticas, sobre uma vasta gama de tópicos na área da macroeconomia, finanças públicas, macroeconomia internacional e reformas estruturais.
Romain Duval é assessor do Departamento de Estudos do FMI, onde lidera o programa de reformas estruturais. É autor de numerosos estudos em publicações acadêmicas e especializadas em políticas sobre uma variedade de temas, como as reformas estruturais, o crescimento, o desemprego, a economia política das reformas, os ciclos econômicos, a política monetária, as taxas de câmbio e a mudança climática. É doutor em Economia.