A América Latina, embora ainda seja relativamente jovem, está envelhecendo rapidamente. Em um estudo , constatamos que o envelhecimento da população está desafiando a sustentabilidade fiscal dos sistemas públicos de previdência e saúde na região. As autoridades precisarão garantir benefícios suficientes para a crescente parcela de idosos — e, em especial, a aceitação destes pela sociedade —, ao apoiar o emprego formal e reformar gradativamente o regime previdenciário e o sistema de saúde.
O dividendo demográfico
Os países da América Latina ainda são mais jovens que a maioria das economias avançadas, mas o envelhecimento da população deve acelerar. Hoje em dia, as mães latino‑americanas têm, em média, pouco mais de dois filhos por mulher. Isso é três vezes menos do que em 1950! Mesmo na Guatemala e na Bolívia, os dois países da região com as mais altas taxas de fertilidade, o número de filhos por mulher começou a cair rapidamente. Ao mesmo tempo, as pessoas estão vivendo mais.
A melhoria do padrão de vida e a ampliação do acesso a saúde de qualidade aumentaram a expectativa de vida dos latino-americanos para quase 75 anos. Chilenos e costarriquenhos podem esperar viver mais de 80 anos, um pouco mais que os residentes dos Estados Unidos.
A combinação de menos crianças e adultos mais velhos está pondo fim ao dividendo demográfico de que a América Latina vinha desfrutando desde os anos 1970 — ou seja, o período em que a população na faixa de 15 a 64 anos cresce mais rápido do que a população com menos de 15 ou mais de 64 anos. O fim desse dividendo implica que há menos pessoas ativas para sustentar um número cada vez maior de dependentes.
Os países com as populações mais jovens, como Paraguai, Bolívia e Guatemala, ainda poderão se beneficiar desse dividendo até 2045; Uruguai, Brasil e Colômbia têm apenas mais dois anos, enquanto no Chile e na Costa Rica o dividendo já se esgotou.
Despesa previdenciária: crescem os dilemas
Graças a suas populações mais jovens, os governos latino-americanos ainda estão gastando comparativamente pouco com a previdência: menos de 4% do PIB, em média, em comparação com cerca de 9% nos países de alta renda e de mercados emergentes da Europa. Contudo, à medida que a população envelhece, os gastos públicos previdenciários na região devem aumentar fortemente e reduzir a diferença em relação aos países avançados.
Nos países com regime previdenciário de benefício definido não financiado — em que os trabalhadores atuais custeiam a aposentadoria dos pensionistas atuais e o governo garante certo nível de benefícios previdenciários — os custos previdenciários aumentarão mais à medida que a população vá envelhecendo. Em alguns países da região, uma combinação generosa de benefícios elevados e contribuições insuficientes dos trabalhadores pode resultar em déficits de financiamento insustentáveis que aumentarão o endividamento público caso não sejam feitas reformas.
Por outro lado, nos países que estão fazendo a transição para um regime de contribuição definida financiado — em que cada trabalhador poupa para a sua aposentadoria durante sua vida ativa e os benefícios previdenciários dependem das contribuições acumuladas e do retorno financeiro sobre essas contribuições — os gastos públicos previdenciários sofrerão aumentos menores (ou até negativos), e os déficits de financiamento serão pequenos ou nulos. No entanto, aumentos menores dos gastos com a previdência pública costumam estar associados a benefícios modestos ou a uma cobertura previdenciária limitada para os idosos.
Por exemplo, na República Dominicana, México, Bolívia, Chile e El Salvador, os pensionistas recebem benefícios bem abaixo da média de outros países.
Na República Dominicana e em El Salvador, menos de 20% da população idosa recebe uma pensão, com diferentes combinações de benefícios contributivos e não contributivos.
Baixos níveis de cobertura e benefícios poderiam ser vistos como insuficientes e se tornariam insustentáveis do ponto de vista social, o que acabaria resultando em obrigações fiscais mais altas se viessem a gerar pressão política para que o governo ampliasse a cobertura ou aumentasse os benefícios previdenciários. Portanto, há um importante dilema entre a sustentabilidade financeira e a social quando se trata dos gastos previdenciários futuros.
A cobertura reduzida e os benefícios insuficientes resultam, em grande medida, do alto nível de informalidade e da baixa participação das mulheres nos mercados de trabalho na América Latina — além de altas comissões e baixos retornos financeiros que deprimem os benefícios em todo o mundo.
Esses fatores também agravam a desigualdade de renda e de gênero porque os trabalhadores de baixa renda têm menor probabilidade de receberem uma pensão ou, se receberem, é provável que ela seja muito baixa. Além disso, as mulheres costumam ter uma cobertura e benefícios menores do que os homens devido: i) à participação menor no mercado de trabalho, ii) a menos anos de trabalho assalariado devido à maternidade, ii) a salários mais baixos, iv) a idades de aposentadoria mais baixas e v) a uma maior expectativa de vida, resultando em um nível maior de pobreza na velhice entre as mulheres.
Saúde: um custo cada vez maior
Os gastos dos governos em saúde na América Latina estão muito mais altos do que há duas décadas, pois muitos países iniciaram esforços para ampliar a cobertura e reduzir as desigualdades.
Atualmente, os gastos com a saúde pública na região correspondem a uma média 4,4% do PIB, o que é relativamente alto em vista do seu atual perfil demográfico. Para uma pessoa típica, os gastos médicos aumentam com a idade, o que significa que, à medida que a parcela da população com mais de 60 anos cresce, os gastos per capita com saúde também aumentam. Além disso, há uma tendência natural de elevação dos custos dos tratamentos de saúde com o tempo devido aos avanços tecnológicos, que resultam em serviços melhores porém a um custo maior para os pacientes.
Nossas projeções mostram que, em vista deste ponto inicial e do ritmo projetado para o envelhecimento da população, as despesas com saúde pública como porcentagem do PIB na América Latina poderiam atingir os níveis dos países avançados até 2100. Na verdade, se não forem feitas reformas, a América Latina deve registrar o maior aumento nos gastos com saúde entre todas as regiões no longo prazo.
Amortecer o impacto
Esse prognóstico de longo prazo pode parecer assustador. No entanto, a boa notícia é que fomentar a participação das mulheres e dos idosos na força de trabalho, promover a formalização e reformar gradativamente os regimes de previdência e os sistemas de saúde são medidas que podem ajudar a moderar o impacto do envelhecimento nas contas públicas, preservando o acesso equitativo aos serviços de saúde e a benefícios previdenciários suficientes.
No caso dos regimes previdenciários, elevar a idade de aposentadoria e as taxas de contribuição, sobretudo nos países onde elas são comparativamente baixas, e reduzir os benefícios em países com direitos previdenciários excessivamente generosos, ajudarão a reforçar as reservas e a custear futuros aumentos das despesas previdenciárias associados ao envelhecimento. Essas reformas precisariam ser elaboradas cuidadosamente para não desestimular o emprego formal. Para administrar o aumento dos gastos com saúde e, ao mesmo tempo, preservar os resultados em termos de saúde, os países devem empreender reformas que aumentem a eficiência e ampliar o acesso a serviços básicos de saúde quando a cobertura for baixa.
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Lorenzo Figliuoli é Chefe de Divisão na Divisão da América Central do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, onde é chefe da missão para a Costa Rica e, anteriormente, chefiou a missão para a Guatemala. Trabalhou no Departamento da Europa como Representante Residente Sênior na Ucrânia e foi chefe de missão para a Finlândia e a Holanda. Doutorou-se na London School of Economics.
Valentina Flamini é Economista Sênior no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, onde se encarrega do Brasil. Anteriormente, trabalhou nas equipes da Costa Rica e Guatemala, bem como nos Departamentos de Finanças Públicas e da Europa. Antes de ingressar no FMI em 2009, foi economista no Ministério da Fazenda da Itália. Seus estudos se concentram em quadros de política fiscal, monetária e financeira em economias de mercados emergentes. É doutora em Economia e Finanças.
Frederic Lambert é economista no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, onde se ocupa do México. Anteriormente, trabalhou na equipe encarregada do Uruguai e no relatório Global Financial Stability Report, no Departamento de Mercados Monetários e de Capitais. Ingressou no FMI em 2012, após trabalhar no Banco da França, onde foi chefe da Divisão de Relações Monetárias Internacionais. É doutor em Economia pela New York University, Stern School of Business.
Rosalind Mowatt é economista no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, onde integra a equipe da Ecuador. Anteriormente, trabalhou no Departamento de Secretaria do FMI. Antes de ingressar no FMI em 2007, foi economista do Tesouro Nacional da África do Sul. É mestre em Economia pela Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo.