É difícil avaliar a liberdade que as autoridades nacionais têm para elevar os gastos ou reduzir os impostos. Trata-se de uma questão crucial durante períodos de desaceleração econômica, quando o governo é chamado a estimular a economia. Mas ela tem a mesma importância em momentos de recuperação cíclica, como o que estamos experimentando agora, pois a resposta é essencial para entender a rapidez com que uma nação deve reconstituir suas reservas.
Sejam quais forem as circunstâncias, para que essa resposta seja útil, ela precisa vir na forma de uma estimativa do “espaço fiscal”, ou da margem que os países têm para aumentar temporariamente seus déficits orçamentários sem prejudicar seu acesso aos mercados nem a sustentabilidade da dívida.
O corpo técnico do FMI formulou um novo quadro para medir o espaço fiscal e o testou no período de 2017 a 2018 em várias consultas do Artigo IV, a revisão anual do Fundo para monitorar as políticas econômicas e financeiras dos países.
Medir o espaço fiscal
Quando um governo busca elevar os gastos ou reduzir os impostos temporariamente, precisa analisar se conseguirá financiar a consequente brecha no orçamento sem correr o risco de ter de enfrentar uma reação desfavorável dos mercados financeiros nem solapar a saúde das finanças públicas no longo prazo. Quanto mais confiança tiver nisso, maior será seu espaço fiscal. Por outro lado, quanto mais arriscados forem o mercado e as perspectivas fiscais de um país, mais limitada será a capacidade do governo para usar ativamente a política fiscal.
O espaço fiscal não é determinado apenas pelo nível da dívida pública de um país, nem se trata de um conceito estático. Pode variar com as condições do mercado e da economia, às vezes de maneira bem rápida e substancial. Por exemplo, quando um país implementa com sucesso um pacote de estímulo fiscal, o impulso dinâmico à atividade econômica pode contrabalançar a deterioração inicial da sua posição fiscal. Em consequência, sua relação dívida pública/PIB pode, na verdade, melhorar ao longo do tempo, gerando mais espaço fiscal. Assim, nosso quadro evita o recurso a um único parâmetro; ele se baseia em uma abordagem multifacetada que usa indicadores e ferramentas desenvolvidas ao longo de muitos anos. Entre outros, o quadro abrange a composição e a trajetória da dívida pública; as necessidades de financiamento e a facilidade de obter empréstimos; os ativos que podem ser utilizados; os compromissos de gastos futuros; a eficácia da política fiscal e a força das instituições fiscais.
Em nosso quadro, também consideramos a existência de regras fiscais, que alguns países aplicam para frear a discricionariedade na condução da política fiscal. Tais regras também podem contribuir para o aumento da credibilidade, o acesso ao mercado e, em última análise, para o próprio espaço fiscal. É importante que sejam bem elaboradas e revistas periodicamente para verificar se estão alcançando seus objetivos. Boas regras ajudam a construir e preservar o espaço fiscal, incentivando a acumulação de reservas nos períodos favoráveis e ao, mesmo tempo, permitindo seu uso sensato quando justificado.
No geral, o quadro nos permite chegar a uma avaliação do espaço fiscal de que um determinado país dispõe em um dado momento, o que envolve quatro etapas, conforme ilustrado no vídeo a seguir.
Quem tem e quem não tem
Com base na aplicação do quadro em relatórios recentes do FMI, a Alemanha, a Austrália, os Países Baixos e a Suécia são alguns dos países com espaço fiscal significativo. Isso reflete seu acesso a financiamento estável e barato nos mercados financeiros, finanças públicas em boas condições e instituições sólidas, entre outros fatores.
No outro extremo, o espaço fiscal está bastante limitado no Brasil, na Itália e no Paquistão, por exemplo. Essa limitação reflete, em diferentes graus, riscos elevados relacionados ao financiamento nos mercados financeiros e níveis relativamente altos de dívida, de financiamento ou de necessidades ligadas ao serviço da dívida. Dependendo do nível de pressão, os países com espaço limitado correriam riscos, como a perda de acesso aos mercados, para usar ativamente a política fiscal.
Países como Arábia Saudita, China, Estados Unidos, Filipinas, Rússia e Tailândia encontram-se em uma posição intermediária: existe espaço fiscal, mas ele não é grande. Tais países têm algum espaço fiscal porque os riscos que enfrentam em termos de financiamento ou sustentabilidade da dívida não são graves.
O uso do espaço fiscal
Se um país deve ou não usar seu espaço fiscal é outra questão. Ter espaço fiscal é como ter dinheiro guardado no banco. Ele pode ser sacado em momentos de necessidade, mas não deve ser usado de forma imprudente nem sem levar em conta outras oportunidades. Uma das responsabilidades do governo é construir um espaço fiscal adequado e usá-lo de forma criteriosa, evitando prejudicar a saúde da economia nacional no longo prazo. Em muitos casos, pode haver excelentes razões para um país ter espaço fiscal, mas optar por mantê-lo intacto ou até mesmo ampliá-lo.
Nosso quadro não aborda a questão do uso. A decisão de usar ou não o espaço fiscal deve se basear em uma análise distinta dos custos e benefícios, examinando inclusive se existe uma necessidade legítima que pode ser mais bem atendida por meio da política fiscal, em vez de outras medidas, e até que ponto o espaço existente é suficiente em vista dos riscos enfrentados pela economia.
Essa distinção entre ter espaço fiscal e usá-lo se reflete no aconselhamento do FMI em matéria de políticas. A consolidação fiscal foi recomendada não apenas em todos os países com espaço fiscal limitado, uma vez que não tinham outra opção a não ser fazer um ajuste, mas também em vários países com espaço fiscal razoável ou significativo. De modo geral, isso se deu porque uma economia se encontrava em posição relativamente forte ou porque era necessário restabelecer as reservas com base nos riscos no horizonte.
Ao mesmo tempo, onde havia pelo menos algum espaço fiscal e uma boa justificativa para usá-lo, o corpo técnico do FMI recomendou seu uso. Por exemplo, aconselhamos o uso do espaço fiscal para apoiar o crescimento de longo prazo na Alemanha, Filipinas, Países Baixos e Tailândia; para compensar alguns dos possíveis custos de uma fase necessária de fortes reformas estruturais na China e para permitir um ajuste fiscal mais lento em alguns países produtores de petróleo.
No futuro, nosso roteiro para avaliar o espaço fiscal deve contribuir para que todos os países membros do FMI tenham uma noção melhor do seu espaço de manobra com regularidade, e pode ajudá-los a escolher as políticas certas para suas circunstâncias específicas.
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Vikram Haksar é Chefe da Divisão de Economias Avançadas e Questões de Supervisão Multilateral do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Anteriormente, foi o chefe de missões do FMI para o Brasil e o México e, em 2009, liderou a equipe que negociou o acordo do FMI com o México no âmbito da Linha de Crédito Flexível, no montante de US$ 70 bilhões. Trabalhou também com economias emergentes da Ásia e do Leste Europeu e foi o representante residente do Fundo nas Filipinas. Doutorou-se pela Universidade de Cornell.
Marialuz Moreno Badia é Subchefe de Divisão no Departamento de Finanças Públicas do FMI, no qual coordena o trabalho no Fiscal Monitor. Sua experiência de trabalho com países abrange uma ampla gama de economias avançadas e de mercados emergentes, como Brasil, Espanha, Grécia e Irlanda. Suas principais áreas de estudo são as instituições fiscais, a sustentabilidade da dívida e as interligações fiscais e financeiras. Doutorou-se pela Universidade de Boston.
Catherine Pattillo é Diretora Adjunta no Departamento de Finanças Públicas e Chefe da Divisão de Política e Supervisão das Finanças Públicas, responsável pela publicação do Fiscal Monitor do FMI. Trabalha em questões macrofiscais. Desde que ingressou no Fundo após ocupar um cargo na Universidade de Oxford, trabalhou no Departamento de Estudos e em países da África e do Caribe, bem como no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação, onde se ocupou de questões relacionadas a países de baixa renda e questões emergentes como gênero, desigualdade e mudança climática. Publicou numerosos estudos nessas áreas.
Murtaza Syed é Subchefe de Divisão no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Ingressou no Fundo em 2004 e já trabalhou no Departamento de Finanças Públicas e no Departamento da Ásia e do Pacífico. Antes de ocupar o cargo atual, foi o representante residente do FMI na China. Esteve envolvido no trabalho do FMI com programas e supervisão em diversas economias avançadas e de mercados emergentes, como a área do euro, Chipre, Colômbia, Coréia e Japão. Seu trabalho analítico abrange vínculos macrofinanceiros, política fiscal e monetária, crises financeiras, investimento, demografia e desigualdade. Antes de ingressar no FMI, trabalhou no Institute for Fiscal Studies (Londres) e no Centro de Desenvolvimento Humano (Islamabad). É doutor em Economia pela Universidade de Oxford.